quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Me borrei!


E não poderia existir maior medo que o de Miriam Hopkins prestes a levar um safanão de Bette Davis em Uma Velha Amizade (An Old Acquaintance, 1943)

Ontem...



Dá pra acreditar que a moçoila acima é Jessica Tandy?
E para os acostumados a vê-la sempre idosa nos filmes,
eis a prova de que Jessica arrasou corações não apenas pelo talento descomunal!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Luxo, poder, glória e... loucuuuuraaa!

DE REPENTE, NO ÚLTIMO VERÃO.

Em 1959, o roteiro de Gore Vidal e Tenessee Williams, polêmicos por natureza, ousou expor homossexualidade, esquizofrenia, lobotomia, canibalismo e incesto, não necessariamente nesta ordem e com muito sofrimento escorrendo tela abaixo.
A censura torceu o nariz, mas no ano seguinte o incômodo foi maior com Stanley Kubrick e Lolita.

Você está achando que é um filme de terror pesadíssimo. E falta pouco para a coisa descer a pirambeira. O gótico impera no estilo Hammer com direito a uma estátua da morte num jardim, uma planta carnívora e a vilania insaciável de damas sulistas.

Animado com o sucesso da peça de Tenessee Williams nos palcos americanos e a gorda bilheteria de Gata Em Teto De Zinco Quente, produção cinematográfica anterior com texto também de Williams, o produtor Sam Spiegel desembolsou uma grana e chamou Elizabeth Taylor, Katherine Hepburn e Montgomery Clift para a linha de frente.

Joseph L. Mankiewicz, o grande diretor de A Malvada, comandou o espetáculo com três indicações ao Oscar. Hepburn e Taylor foram indicadas ao prêmio de Melhor Atriz, coisa inédita para a época. Perderam para Simone Signoret. A direção de arte sinistra também levou uma indicação.

Por mais que o roteiro insinue muita sacanagem, maldade e relações predatórias, a mensagem é clara e o bom entendedor enxerga nos primeiros discursos. Muito do que aparece em cena tem fortes ligações com a vida de Tenessee.
Sua inquieta irmã Rose foi lobotomizada a força pela mãe dominadora e Williams vivia em psiquiatras. Sua prosa é incrível, cheia de simbolismos e lamentos que transitam entre o glamour e o recalque.

Montgomery Clift é o Dr. Cukrowicz, o idiota incapaz de sacar toda a maldade por baixo dos panos, com perguntas irritantes que nos levam a duvidar da inteligência do jovem psiquiatra. Seu personagem está deslocado e vira um joguete nas mãos de duas mulheres ardilosas. Suas interpretações tornaram-se diferentes devido ao acidente que mutilou a sua bela face de galã e o deixou cheio de dores, com a fala travada e as expressões duras por conta do maxilar reconstruído e dependente de drogas para ficar em pé.


Sua presença em cena é mérito único de Elizabeth Taylor, melhor amiga do ator que implorou para que ele não se enterrasse no esquecimento e continuasse trabalhando.

Katherine Hepburn está irretocável como Violet Venable, vilã classuda, bruxa sofisticada e venenosa. Suas entradas majestosas, o gestual, o sotaque e a placidez no tom de voz, escondem um objetivo monstruoso a fim de preservar a memória intocável do idolatrado filho Sebastian, que morreu de repente, no último verão. Ela tem um parafuso a menos por trás do luxo doentio. Seus figurinos deslumbrantes foram desenhados por Norman Hartnell, o costureiro particular da rainha Elizabeth II.

Elizabeth Taylor não deixa barato. Linda e alucinada, sua personagem Catherine, é a suposta louca, com o saco estourando por sua condição imposta pela família e dilacerada por lembranças dos hábitos suspeitos de sua tia e seu primo.

Catherine sabe da verdade. A tia Violet quer silenciá-la comprando uma eficiente lobotomia a cargo de Cukrowicz, para tornar a sobrinha num vegetal dócil e calado, adiantando o modus operandi da enfermeira Mildred Ratched em Um Estranho No Ninho.

Nessas horas, a idiotice disfarçada de curiosidade do bom doutor, ajudam a impulsionar a trama e aumentar o mistério que culmina na verdade acerca do que aconteceu no último verão envolvendo o jovem Sebastian. Verdade horrível e inevitável, o clímax do filme que passa de raspão pelo terror e causa arrepios, com todas as honras.

O elenco de apoio colabora com a fuzarca, pois o resto dos personagens espera lucrar alguma coisa no fim. Mercedes McCambridge, com sotaque caipira e falastrice exacerbada, é a mãe que negocia o cérebro da filha por cem mil dólares.


Albert Dekker é o patrão do psiquiatra de olho nos cheques da Sra. Venable. Gary Raymond é o irmão fascinado pelas roupas do falecido Sebastian e Mavis Villiers faz uma pontinha engraçada como a Srta. Foxhill, a secretária enérgica com voz de taquara.

O filme quase dançou nas mãos dos censores, que permitiram apenas menções ao homossexualismo, sem mostrar nada apelativo. A Liga Católica forçou os produtores e o roteirista Gore Vidal a reformular o roteiro, chegando ao extremo de proibir a voz e o rosto do único personagem homossexual do filme, mas o resultado ainda é impressionante e polêmico.

A tensão no set era outro caso sério, principalmente pela condição de Montgomery Clift, homossexual assumido e vítima da constante discriminação em forma de piadinhas infames do produtor Sam Spiegel.

A geniosa Katherine Hepburn, não deixou barato e vivia aos trancos e barrancos com o produtor, chegando ao extremo de meter um sonoro e inesquecível tabefe na cara de Spiegel no último dia de filmagem

Bette Davis enfrenta Bette Davis

ALGUÉM MORREU EM MEU LUGAR

Bette Davis bem daquele jeito que todo mundo gosta: velha, doida e perigosa. Não falta nada para um orgasmo cinematográfico.


A frase “Ninguém é tão boa quanto Bette Davis quando ela é má!” popularizou-se por conta desse filme. Bette aprovou o roteiro e anos depois disse que esse não é um dos seus melhores filmes, mas um dos mais divertidos em que já trabalhou.

Esta pérola cafona e deliciosa foi realizada dois anos após o estrondoso sucesso de O Que Terá Acontecido a Baby Jane, responsável pela ressurreição da carreira das duas antagonistas de Hollywood, Bette e Joan Crawford, felizes da vida e aplaudidas pela nova geração.


É uma exagerada refilmagem de La Otra, um filme de 1946 estrelado por Dolores Del Rio. Na mesma época, Bette fazia papel de irmãs gêmeas em Uma Vida Roubada. Coisas do acaso.

A mistura de policial noir, grand guignol, melodrama e bom humor rendeu essa peça gótica onde Bette se esbalda. É o filme em que ela mais fuma em cena, fazendo de tudo um pouco consigo mesma.

Chega as vias do delírio quando precisa diferenciar as irmãs, a sofisticada e fútil Margaret De Lorca e a fatigada Edith Phillips. Aos 56 anos, Bette estava de volta ao glamour, mandava prender e soltar em Hollywood, tanto que se rodeou de bons amigos para trabalhar nesse filme. A direção é de Paul Henreid, seu par romântico em A Estranha Passageira. A fotografia é de Ernest Haller, fotógrafo dos filmes em que Bette ganhou seu dois Oscar.

O elenco de apoio está afinado. Karl Malden, o nariz mais simpático de Hollywood é o coadjuvante de luxo, a pessoa certa para encarnar a honestidade em cena como o policial apaixonado pela pobre Edith que faz de tudo para deixá-la feliz.

Peter Lawford, melhor amigo de Sinatra e cafetão dos Kennedy, é o gigolô de Margaret, a irmã rica. Canastrão de amargar, Lawford só está em cena por conta da misericórdia de Bette . Cyrill Delevanti é o fiel mordomo Henry.
Estelle Winwood, a velha mais velha de Hollywood, é o maracujá de gaveta que reza adoidado.

Jean Hagen faz sua última participação nas telas quase reprisando o papel que ela imortalizou em Cantando Na Chuva, a diva maluca de voz esganiçada.

Connie Cezan, a dublê oficial de Bette pode ser vista em duas cenas.

A trilha sonora é obra de André Previn, que não se cansa em dedilhar um sinistro cravo. O maquiador Gene Hibbs foi chamado ás pressas para rejuvenescer Bette, que insistiu em aparentar juventude até na adorável peruca feita sob medida.

Bette está em cena vivendo duas irmãs moralmente grotescas e diferentes. Edith é a pobre coitada que penou por um bom tempo até descobrir certas coisas referentes ao passado da milionária irmã Margareth.

Emputecida por ficar na lanterna esse tempo todo, Edith vai á luta para recuperar aquilo que deveria ser seu numa trama cheia de reviravoltas e rica em mistérios, engrandecida pelo histrionismo de Bette, no auge da crueldade.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Michael Myers não é mais aquele... Olha o diretor dele!

HALLOWEEN
(do Rob Zombie)


Haloween é mais um representante da maldita safra moderna de filmes de terror, sacrilégios cinematográficos surgidos para desmistificar os assassinos seriais dos anos 70 e 80. Viram o que aconteceu com o Jason, né? Esperem pelo Freddy...
Dirigido por Rob Zombie, roqueiro que acredita ser cineasta, tem jeito de filme vagabundo, mas sabemos que ele é tão malandro quanto Tarantino e gasta muito dinheiro para realizar seus filmes com jeito de B. Não por acaso, os financiadores de Quentin são os Weinstein, os mesmos de Rob.

Zombie conduz um filme canhestro, comprometido muitas vezes pela baixaria excessiva e grotesca, que não funciona sem a comicidade cool de A Casa dos 1.000 Corpos ou Rejeitados Pelo Diabo, e acaba engulhando pela metade.

Ainda falta muita classe para Rob tornar-se um diretor sério e fazer algo como o Halloween original, que me desmancha de medo até hoje apenas pela tensão e não pelos excessos vistos neste novo filme.

Descontando o prólogo com as origens e motivos da psicopatia de Myers, o filme segue os mesmos passos do clássico de John Carpenter, atento aos detalhes mínimos como a exibição de The Thing nas televisões, algumas mudanças aqui e acolá, uma trilha maior de corpos e muita sacanagem em doses cavalares. De todas as vítimas mulheres, só Dee Wallace não paga peitinho em cena.

Daeg Ferch, o garoto que interpreta Michael Myers na infância, é chato demais para meter medo. O mal absoluto do filme de 78 vira um agressor mirim com direito a camiseta do Kiss e cabelinho comprido. O gigantesco Tyler Mane, o Myers adulto, merece respeito. Três vezes maior que Tony Moran em 1978, o rapaz é um gigante feroz e incansável, mais animalesco e digno de pavor.

Para consolo dos admiradores profundos de filmes de terror ou tranqueiras, o elenco coadjuvante consegue reunir rostos memoráveis do gênero, alguns até em personagens novos na trama. Estão em cena Richard Lynch, Sybill Danning, Danny Trejo, Ken Foree, Clint Howard, Udo Kier e Bill Moseley. Adrienne Barbeau deveria aparecer, mas acabou cortada na edição final.

Dee Wallace aparece como a dócil Sra. Strode, mãe de Laurie. Sid Haig, ator-fetiche de Zombie, é o coveiro. Danielle Harris, vista criança nos Halloween 4 e 5, dá as caras como Annie, a filha do Xerife Brackett, agora vivido por Brad Dourif.

Scout Taylor-Compton é a protagonista e quase consegue ser uma nova scream-queen como Jamie Lee Curtis no filme original, seus decibéis vocais no final do filme atingem um limite suportável.

Wyllian Forsythe é o padrasto porcalhão de Michael, fazendo par com Sheri Moon Zombie, a esposa do diretor que só entra em cena por causa do
Padrão de Filmagem a La Didi Mocó.

Malcolm McDowell é o guerreiro Dr. Loomis, responsável pelos momentos interessantes do filme toda vez que tenta entender a cabeça do infeliz. Mas ficou a saudade do amargor de Donald Pleasence, que acreditava a todo custo que Myers era incurável e merecia uma boa dose de chumbo no crânio.

O filme cria uma série de explicações porque a nova geração tem preguiça de pensar e utilizar a imaginação, por isso precisam de tudo mastigado nos mínimos detalhes.

Nada que mereça alarde e nem o intitule como obra-prima do terror, tal qual o original.

A nova visão de Zombie para o clássico dos anos 70 parece um pesadelo heavy-metal, repetitivo em vários momentos e desnecessário. As constantes aparições de Michael Myers esmigalham a aura sobrenatural do assassino, que raramente aparecia no filme original e quando o fazia, era sempre de relance.

Zombie tem um mérito apenas, o de fazer as coisas da maneira antiga. Acredite se quiser, Halloween não tem nenhum efeito de computação para os assassinatos.
Pena que o operador de câmera tenha mal de Parkinson, fazendo a imagem tremer toda vez que alguém é atacado.

O filme nasceu errado. Quando o roteiro começou a vazar na internet, Rob Zombie perdeu-se na própria megalomania e começou a refilmar cenas, alterar coisas, banir personagens e perdeu o fio da meada, gerando três versões do filme! O acontecimento desagradou até a distribuidora brasileira, que adiou ao máximo a chegada do filme aqui na terrinha.

E Zombie não para. Já rodou o Halloween II e está nas vias de produção do terceiro filme, garantindo que a burrice e a teimosia movem Hollywood.

Nos créditos finais, uma dedicatória a Moustapha Akkad, financiador-mor dos oitos filmes anteriores de Myers, morto num ataque terrorista em 2008.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Viagem Jodorowskyana

EL TOPO

El Topo significa toupeira. A toupeira sempre que precisa da luz solar, cava até a superfície, mas acaba cega pelo excesso de iluminação. Calma coleguinhas, esta metáfora é a última coisa a se preocupar na história de um pistoleiro fodão que atira até de costas, em busca de transcendência.

El Topo é um pistoleiro na linha do homem silencioso criado por Sergio Leone para Clint Eastwood. Vagando pelo deserto com seu filho nu á tira-colo, o nosso herói encontra uma cidade completamente dizimada e sai á caça dos miseráveis que protagonizaram o massacre.


Encontra três marginais cômicos: um que beija sapatos femininos, outro que picota uma banana com uma espada e o terceiro que constrói um corpo de mulher com grãos para depois comê-los! Enchendo os três de bala, El Topo descobre que um certo Coronel é o responsável pelo massacre.


E lá vai ele, pronto para dizimar mais cinco picaretas que abusam de pobres monges franciscanos, com violência orquestrada e sangue vermelho vivo de fazer inveja a qualquer filme de Peckinpah. Justiça feita, todo mundo morto, beleza.

El Topo abandona o filho e foge com Mara, a cocota do Coronel para um deserto bíblico onde ele medita e adoça a água de um rio tal como Moisés. Milagreiro que só ele, ainda tira água de pedra e ovos da areia. Estupra Mara, libertando-a da repressão e fazendo a pobrezinha ter o seu primeiro orgasmo, ser mulher de verdade. Violentada e feliz, Mara mete na cabeça de El Topo que ele precisa ser o melhor e para isso terá que enfrentar os quatro grandes mestres das armas que moram no deserto.

Numa viagem em espiral e para encontrar sua luz, El Topo sai no tiro com os tais mestres e aprende segredos vitais de transcendência, força e resistência em meio á analogias bíblicas, budistas, judaicas e taoístas deixando de ser um pistoleiro vingador para tornar-se um messias.

Nesse processo todo de transcendência, muita coisa passa pela tela e pega a gente de surpresa: o culto ás armas, uma velha bruxa com um baralho de tarô, um homem sem perna atrelado nas costas de outro homem sem braço, uma misteriosa mulher de preto, um leão, prostitutas nuas, El topo chupando um besouro egípcio, transes, um certo triângulo com um olho no meio e milagres, brow, muitos milagres!

No fim, ele reconcilia-se com o filho e se mata no final, pois percebe que sua presença no mundo já não tem mais motivo e o filho abandonado deve seguir seu caminho.

Legal né? Entendeu? Não?
Vá lá, confesso que nem eu entendi muito por conta do excesso de detalhes.
Um filme com uma “viagem” aqui e outra ali, não faz mal.
Mas El Topo é “viajão” demaaaais, mora? Um cigarrinho do demônio antes da exibição é aconselhável.

O simbolismo fantástico, a fotografia belíssima e as imagens impressionantes, acabam tornando o filme uma obra tão curiosa e divertida quanto inesquecível.

Envelhecido e talvez fora dos padrões “mudernos”, El Topo reflete o espírito de uma época de revoluções contra a cultura e a sociedade. Muita coisa fica no ar e quem sabe uma revisão não seria má idéia para “pegar” detalhes (inúmeros, por sinal) que vez ou outra acabam escapando.

Na época em que foi feito, o filme foi banido do México e virou um darling por conta de outro maluco, John Lennon, apaixonado que só ele ao ponto de mandar seu empresário comprar os direitos do filme por conta de seu conteúdo controverso. Proibido e violento, El Topo virou o primeiro midnight movie da história e fez um sucesso arrebatador, hoje um cult ao redor do mundo.

O realismo no filme é de impressionar: os animais mortos e estripados na abertura, são verdadeiros, assim como os coelhos, mortos a golpes de caratê pelo próprio diretor.


Quando El Topo estupra Mara no deserto, os atores estão realmente fazendo sexo.
O garoto que acompanha El Topo é o filho do diretor e também protagonista desta louca odisséia, meu novo ídolo, Alejandro Jodorowsky, o paladino do surrealismo e da contracultura, um dos poucos diretores capaz de me deliciar com toda a sua piraceira dos anos 70.

E cada vez mais me convenço de que nasci na época errada...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Fatias De Vida

“Até os meus piores filmes rendem dinheiro e viram clássicos um ano após o lançamento.”

13 de Agosto de 1899, nascia o homem que iria impressionar multidões por longos anos.


Alfred Hitchcock, o mestre do suspense, criador de tramas mirabolantes, cenas inesquecíveis, heróis equivocados e vilões diabólicos.

Sou fã confesso de toda a sua filmografia, até da fase inicial, onde ele era um errôneo diretor de comédias românticas. Me espantei nas madrugadas da vida com Psicose, gravei Os Pássaros em VHS e assistia incansavelmente, hoje já o tenho em DVD.


Perdi a hora da aula e levei esporro da mãe no dia em que passaram Frenesi, mas o assisti com a cumplicidade dos meus avós, claro. Não perdia no canal USA as reprises do seriado Alfred Hitchcock Apresenta, enquanto a madrinha Zélia fazia crochê no sofá ao lado.
Com muito orgulho, no primeiro ano do segundo grau (ainda se fala assim?), apresentei um trabalho numa aula de inglês sobre o homem.

Alfred e eu temos coisas em comum: gostamos de sustos e pavor, mas somos medrosos de marca maior e caímos sempre de amor por loiras gélidas.

Quando começou no cinemão comercial, em 39, David Selznick achava que ele era o cara certo para dirigir Titanic. Brigou tanto com o chefão que conseguiu dirigir Rebeca, A Mulher Inesquecível (Ou Recível - A Mulher Inesquebeca, para alegria da Juliana Dacoregio).

Tinha medo de policiais e de ovos. Teve cinco indicações ao Oscar, sem jamais faturar algum, exceto aquele desgraçado prêmio pelo “Conjunto Da Obra”, conferido aos futuros defuntos. Conseguiu respeito nos EUA quando os europeus disseram que seus filmes eram obras incontestáveis da humanidade.

Dirigiu os maiores astros de todos os tempos: Tallulah Bankhead, Laurence Olivier, Ethel Barrymore, Marlene Dietrich, Charles Laughton, Joan Fontaine, Judith Anderson e Janet Leigh. Nos fez acreditar que James Stewart e Cary Grant eram os homens imaculados. Lançou Anthony Perkins, Barbara Harris, Shirley MacLaine, Karen Black e Jon Finch ao estrelato. Brigou com Doris Day e certamente amou tanto Grace Kelly, que jamais se perdoou ao rodar Ladrão De Casaca em Mônaco.

A imprensa quis saber o motivo dos seus filmes obterem tanto sucesso: “Todo mundo gosta de levar susto.”
Em outra ocasião, não se acanhou em dizer:
“Para mim, Psicose é uma grande comédia!”

Quando a Fox não conseguia dar um jeito em Cleopatra, pensaram em chamá-lo para endireitar o filme. Não, obrigado. Foi proibido por papai Walt Disney de rodar umas cenas na Disneilândia, só porque dirigiu Psicose.

Ao saber que Hitchock gostaria de ter comprado os direitos autorais de Les Diaboliques, os escritores Pierre Boileau e Thomas Narcejac o presentearam com um conto chamado Dentre Les Morts, que virou o cult Um Corpo Que Cai.

Detestava Brian De Palma e temia o sucesso de Dario Argento, seus melhores imitadores. Era amigo de Truffaut e disse que Buñuel era o grande diretor do mundo. Presenteou Mel Brooks quando este brincou com sua filmografia em Alta Ansiedade.

Não faz muito tempo que sua filha Paticia declarou numa entrevista que dois filmes divertiam o seu pai: a comédia Agarra-Me Se Puderes e Benji, aquele do cachorrinho.

Spielberg, Scorsese, Raimi, Carpenter, Tarantino e qualquer outro metido a fazer suspense cheio de clima, devem lhe pagar tributo.

Na lista dos 100 Grandes Filmes da Humanidade, o homem aparece quatro vezes. Dezoito constam naquele livrinho batuta, 1001 FILMES PARA VER ANTES DE MORRER.

Na maior da inocência, acreditava apenas praticar uma arte e sem saber que ao aprofundá-la, produziu leis e criou regras que constituem o abecedário cinematográfico, virando até adjetivo: “É um suspense tão hitchcockiano!”, diz a turma hoje em dia, alguns sem saber a essência da coisa.

No fim da vida, Hitch com a saúde complicada, teve que usar um marcapasso. Sempre que recebia uma visita, fazia questão de mostrar o aparato com orgulho e dizia com a voz pausada fixando os olhos no interlocutor, que a engenhoca deveria fucionar por dez anos, mas poderia parar a qualquer minuto.


É ou não é o pai do suspense?

terça-feira, 11 de agosto de 2009

"Não existe arte idiota, e sim, artistas idiotas..." - Jodorowsky

MOSTRA JODOROWSKY

Cineasta, dramaturgo, tarólogo, quadrinista, especialista em piscomagia e precursor da arte multimídia, Alejandro Jodorowsky é um gênio incompreendido pelo público careta e bitolado em sucessos holywoodianos. Visionário e encenador original, é uma entidade metafísica cujo nome está em toda parte e cujos filmes não se viam em lugar algum.


Diretor autoral de seis longas-metragens, Jodorowsky construiu uma obra desconcertante sem jamais esperar retorno financeiro ou preocupar-se com as reações do público e continua atraindo um séquito de admiradores em torno da magia de seu cinema. Hollywood já se rendeu aos seus encantos e cineastas de prestígio lhe são tributários confessos.

Jodorowsky fez sucesso abaixo de socos e pontapés desde a exibição de seu primeiro filme em 1968, Fando y Lis no Festival de Acapulco, motivo de revolta e confusão por conta de alguns espectadores, levando o diretor a deixar o cinema pela porta dos fundos.

Em 1970, o seu segundo longa-metragem lançado timidamente numa madrugada nos EUA, ganha repercussão e o faz ganhar o mundo, devido á admiração expressa de artistas como Glauber Rocha, John Lennon, Mick Jagger, Andy Warhol e Samuel Füller, espectadores incidentais da película El Topo, campeão de bilheteria do cinema underground mundial.

Dos dias 24 á 27 de Agosto, o SESC de Criciúma em parceria com o CCBB, estará realizando a Mostra Jodorowsky, com a exibição de quatro filmes importantes da carreira do diretor: A Gravata (1957), Fando y Lis (1968), El Topo (1970) e A Montanha Sagrada (1973).

Se a gripe suína não dizimar Criciúma, na noite de abertura, a mostra conta com a minha ilustre presença discorrendo junto ao público acerca da carreira de Jodorowsky.

Já assisti aos filmes e confesso que fiquei estupefato diante de tanta loucura, transcendência e iluminação.

A abertura da mostra e as exibições acontecerão sempre á partir das 19 horas, todos os dias.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Amor e Tentação / Inferno e Danação

A NOITE DO IGUANA

Como todo bom texto de Tenesee Williams, este filme é carregado de personagens peculiares, tensão sexual e diálogos ferinos.

A direção corajosa é do grande John Huston, trabalhando no México que ele tanto amava e com um orçamento altíssimo apenas para pagar o salário dos astros. Huston, disposto a criar tensão entre o elenco isolado, presenteou cada ator com uma pequena pistola banhada á ouro carregada de balas com o resto dos nomes do elenco. Ou seja, se a coisa esquentasse e alguém perdesse a paciência de verdade durante as gravações, todos tinham carta branca para matar um ao outro com direito á bala personalizada.

O caldeirão ferve intensamente no hotel Miss Malay na costa do México, lugar escolhido por um ex-padre, uma decadente viúva, uma pintora fracassada, uma ninfeta fogosa e sua protetora, todos em busca de alívio para seus demônios interiores num clima sórdido, triste e por vezes cômico de lavação de roupa suja ou intensa terapia defendido com classe pelo roteiro teatral do próprio Williams, com a ajuda de Huston e Anthony Veiller.

O elenco é de um magnetismo estupendo. Richard Burton com toda a malícia do seu sotaque inglês, é o protagonista andando no fio da navalha e tentado por três mulheres,
cada uma com um desejo específico nada agradável para a sua pessoa. E para um sacerdote perdido entre as convicções religiosas e o desejo carnal, Burton encontra-se em papos de aranha, mal arranjado entre tantos arquétipos femininos, afastando-se cada vez mais da realidade e mergulhando num abismo pavoroso de danação.

As três musas que infernizam o coração e a fé de Burton, não poderiam encontrar melhores intérpretes. Ava Gardner é a saidinha dona do hotel, a viúva conformada e conivente com todos os caprichos e trambiques de Burton, pois esboça desde o início a vontade de tornar-se a esposa do reverendo e ser amada com toda intensidade. Deborah Kerr tem ares de anjo da guarda no papel de uma feérica pintora sem um pinto pra dar água, sempre com a sabedoria na ponta da língua para expiar os pecados da galera. Sue Lyon, dois anos após o sucesso de Lolita, repete o papel da ninfeta caliente pronta para se ajoelhar aos pés do sacerdote com a pior das intenções.

O elenco de coadjuvantes também é um caso de admiração e respeito. Cyrl Delevanti entra como o poético avôzinho, perdido entre seus versos de despedida do universo aporrinhante. Mary Boylan é o rascunho do mapa do inferno, a horrenda Beebee.

Roubando na cara dura a maioria das atenções de quem assiste, Grayson Hall é a harpia lésbica pregadora da desgraça. O rosto feroz e os destemperos emocionais garantiram a soberba dama inglesa uma indicação ao Oscar de coadjuvante na época.

Para um filme de 1965, A Noite do Iguana tem coragem de sobra. Se hoje em dia o cinema ainda consegue impressionar o público com temas polêmicos, é de se pensar nos espectadores daquela época diante de uma história sobre devaneios amorosos, insultos de chumbo grosso todos direcionados a sexualidade de cada personagem, porres de rum, cigarrinhos malditos e Ava Gardner aos amassos com dois muchachos na praia.

A trilha sonora melancólica é de Benjamin Frankel e a fotografia de Gabriel Figueroa.
Os figurinos de Dorothy Jeakins foram premiados com o Oscar. Antes da tela grande, o texto de Williams estourou nos palcos da Broadway em 1961, tendo Bette Davis diante do elenco no papel de Maxine, a dona do hotel.

Durante as gravações, o explosivo caso de amor de Richard Burton e Elizabeth Taylor acabou vindo á tona. A atriz não se acanhava de visitar o amante constantemente no set, virando alvo de notícias e fofocas no mundo todo.

O título esquisito menciona uma tradição mexicana: caçar, prender, cevar e devorar a iguana.


Não é preciso explicar onde se encaixa tal metáfora, certo?

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Não há como escapar de Suspiria...

SUSPIRIA

Conto de fadas assombroso, o primeiro de outra trilogia criada por Dario Argento acerca das Três Mães, criaturas diabólicas que controlam os suspiros, as trevas e as lágrimas, espalhadas por três casas ao redor do mundo. A história das Mães é tirada do livro Suspiria De Profundis, de Thomas De Quincey, escritor inglês ligadão em ópio e criador de delíros incontáveis, dignos de Argento continuar em A Mansão do Inferno de 1980 e finalizar com O Retorno da Maldição em 2007, tendo sua filha Asia Argento como protagonista.

A revolução artística em Suspiria é tremenda. Contempla-lo é perder-se num pesadelo metafísico e desconcertante. Uma obra de arte em cor, vitalidade e fúria.


A violência é operística, resultando num conjunto irrepreensível de sangue, estilo e som. Lembra Kubrick, que dividia seus filmes na experiência sonora e visual.

As cenas de crime são grandiosas, estilizadas e barrocas, transitando entre o horror e o insuportável. Por ser um gênero que permite liberdade e loucura, o terror encontra em Suspiria, a materialização exata visual e pavorosa das chaves essenciais do gênero. Argento vira um amplificador de velhas fórmulas góticas, provando que nenhum filme é um texto que exija linearidade, transformando Suspiria num teste de resistência, uma afronta ao olhar e aos ouvidos que permanece na memória de quem assiste.

Jessica Harper é a infeliz protagonista Suzy Bannion, escolhida pelo diretor por lembrar facialmente a Branca De Neve da Disney. A doce mocinha glorificada com a chance de estudar na melhor academia de dança do mundo, desconfia que algo maligno ocorra por trás das paredes da escola. A câmera, a iluminação e os gemidos, indicam a presença de uma maldade antiga que a tudo e todos observa e tenta controlar. Quando este mal não obtém sucesso, não hesita em eliminar aqueles que cruzam o seu caminho.

E á medida que a história passa e a pressão aumenta, o espectador tão nervoso quanto a protagonista, percebe que o castelo exuberante em cores e formas geométricas, é também um covil de feiticeiros seguidores de Helena Markus, a fodona Matter Suspirarum. Para escapar dos rituais satânicos conduzidos na escola, Suzy se encaminhará para um apocalíptico final, defendido no trailer da época como a única coisa mais assustadora que os noventa minutos iniciais do filme.

O filme seria um giallo tradicional com crimes e sustos, mas com o decorrer da história nota-se que o assassino (ou seriam assassinos?), não é humano, complicando ainda mais a maluquice geral.

Como emissárias do inferno, Argento não poderia encontrar melhor dupla de vilãs defendidas por Alida Valli como a hausfrau nazista virada em sorrisos diabólicos e a veterana musa de Fritz Lang, Joan Bennett, como a elegante diretora da escola e chefona da organização satânica. Udo Kier é o especialista em bruxaria que ajuda a mocinha. Stefania Casini, Barbara Magnolfi, Eva Axén e Susanna Javicoli são as outras alunas que desfilam em figurinos cafonas setentistas. Flavio Bucci é o horrendo Daniel e um jovem Miguel Bosé aparece como a paixãozinha de Suzy.

A trilha sonora do grupo Goblin, construída basicamente de uma nota repetida em vários arranjos, cria tensão á partir da palavra witch, gemidos e sibilos. Argento tocava a música no mais alto dos volumes para colocar o elenco no clima de terror no set.


Quero ver se a coisa vai funcionar tão bem assim num prometido remake para 2010.

domingo, 26 de julho de 2009

Vampirismo De Luxo

FOME DE VIVER

Primeiro filme de Tony Scott como diretor, vindo do mercado publicitário e dos videoclipes. Scott começou sua carreira aqui, graças á Alan Parker, o diretor escolhido pelos produtores para tocar o barco. Parker indicou Scott aos produtores por não se achar capacitado para conduzir a história e disse que Tony tinha um estilo muito bom.

Como o Barry Lyndon ou O Iluminado de Kubrick e até mesmo o Nosferatu de Herzog, esse filme está dividido em duas experiências: ele é visual ou sonoro.
Se você tirar o som e ficar de olhos nas imagens, ou apenas ouvir os sons, sairá ganhando.

É um orgasmo de autor, pesadelo publicitário oitentista, datado, cheio de fumacinhas e música eletrônica. Scott tem uma preocupação tremenda com os cenários, as cortinas e a iluminação. Nada está fora do lugar e cada detalhe tem um efeito tremendo.

Catherine Deneuve vestindo Yves Sain-Laurent, é a belíssima vampira remanescente do Egito antigo. De tempos em tempos ela seleciona um parceiro para amar com a falsa promessa da vida eterna. O roqueiro David Bowie, tão afetado quanto o filme, é o lover do momento que percebe tarde demais o quanto Deneuve é mentirosa, pois ele está envelhecendo, virando uma múmia ambulante num excelente trabalho de maquiagem de Dick Smith, o criador da cara abominável da Regan em O Exorcista.

Ou seja, vida eterna e juventude, eram conversa pra boi dormir. Deneuve é uma predadora e está morta de medo de ficar sozinha com todos aqueles caixões dos antigos parceiros no andar superior de sua mansão. Seu instinto de caçadora e o coração necessitado fazem com que ela saia em busca de uma nova companhia para sorver jugulares nas noitadas ao som de Ballhaus.

Susan Sarandon no auge da sensualidade, é a cientista meio sapata que se encanta com Deneuve e as duas trocarão as melhores carícias lésbicas já vistas no cinema, ao som de Dellibes, perdidas entre esvoaçantes lençóis e cortinas brancas, lambuzadas de leve, com um sangue meio aguadinho que insiste em escorrer cama abaixo.

Fala-se pouco, ninguém morde o pescoço de ninguém. A turma em cena está mais preocupada em perder a carinha bonita. Um padece perante a velhice, outro sofre de solidão, mas tudo com um requinte e uma frescura inebriante. É gente bonita fazendo alarde por causa da beleza. São todos sofredores bem vestidos, transbordam uma elegância sem tamanho que nem dá espaço para o terror. Até os sustos são finos demais.

Tenicamente impecável, o filme começa a incomodar na metade. Scott e seus roteiristas, adaptando o romance de Whitley Strieber, não souberam o que fazer com os personagens perdidos em tanta sofisticação, e de um jeitinho sem graça, toda essa festa é apenas para dizer que a vida eterna é um saco.

sábado, 23 de maio de 2009

Aronofsky + Rourke = Um Puta Filmaço!

O LUTADOR

Randy “The Ram” Robinson é a Norma Desmond da luta livre, curtindo as mágoas do seu crepúsculo particular. Atormentado por lembranças, embriagado pelas glórias e esperançoso com o distante sucesso. Sobrevive de lutas armadas e sangrentas.


Não tem dinheiro para o aluguel, mas não falta o troquinho das strippers e dos esteróides. Usa a força outrora aniquiladora para descarregar caixas num supermercado. É a triste realidade de um brucutu falido e decadente, uma montanha de músculos que quase não pensa, mas sofre demais.

Surdo e infartado por conta de uma luta de virar o estômago, o ídolo caído começa a sentir o medo da solidão. O pior ringue é o cotidiano o cruel adversário é o fracasso e o prêmio, é a vida não vivida, que chega de mansinho no sorriso desperto na filha negligenciada e na descoberta do amor.


A escolha de Rourke desde o início pelo sábio diretor, dificultou até o financiamento do filme. Os produtores queriam Nicolas Cage (deus nos livre!) e não acreditavam no potencial de alguém obsoleto e com talento para confusões.
Mas essa história é manjada, Cidadão Kane levou pau da crítica na estréia, Jack Warner não acreditava no potencial de Bette Davis e Joan Crawford já envelhecidas e Blade Runner foi um fracasso de bilheteria. A teoria aplica-se perfeitamente aqui. Não é o retorno triunfal de Rourke ao cinema. Ele sempre esteve por aqui e deu o primeiro tour-de-force em Sin City. Agora chegou a vez de esboçar a dor, digna de lágrimas e piedade, paralela com a sua própria realidade de astro em fim de carreira.

Se ele está acabado e não tem mais o rostinho de galã dos anos 80, o que fazer?
É a lei natural, o peso da idade e o preço que se paga pelas loucuras e exageros.
Peito cai, barriga cresce, bunda fica flácida, são coisas da vida. Brigite Bardot não é mais uma gracinha, Robert Redford não arranca mais suspiros e Meg Ryan já está com a boca na orelha. Beleza e talento raramente andam juntos. Rourke perdeu violentamente no primeiro quesito, mas no segundo melhorou com o tempo, e muito.

O que falta de beleza para Rourke sobra para Marisa Tomei, uma espocada de tesão e simpatia em cena como Cassidy, a stripper benevolente que ensinará Rourke a olhar o lado bom da vida, entre doses de tequila e danças quentíssimas no colo do grandalhão.
Evan Rachel Wood, em curta participação, é a filha esquecida e feroz do lutador, responsável pelos momentos lacrimosos necessários a trama.

Mais um ponto bem marcado por Darren Aronofsky, um diretor com uma paixão toda especial por mentes perturbadas e titereiro de personagens cheios de amargor. Sua visão realista e dilaceradora de perturbações psicológicas e sentimentais, costuma levar o espectador ao delírio. Ele não deixa barato e transforma o roteiro vívido de Robert D. Siegel numa odisséia construída no limite da veracidade sufocante.

É inevitável a comparação carinhosa: Randy é tão sofredor quanto Max Cohen, Sara Goldfarb e Tom Creo, personagens distintos da curta e fabulosa filmografia de Aronofsky.

E que venha um novo filme dele, rápido!

sexta-feira, 22 de maio de 2009

É tudo coisa da cabeça

A FÚRIA

Brian De Palma apocalíptico, um ano depois de Carrie, montado no sucesso e sob o jugo de um grande estúdio num filme bem pago e produzido sobre telecinésia (de novo...), terrorismo e os putos do governo por trás de tudo numa conspiração tenebrosa.

Um homem em busca de seu filho sequestrado para fins excusos, perde-se num emaranhado de armações, poderes mentais e gente malvada. Sobra tempo para o amor, algumas piadas e a salvação do planeta.

O auê estético é satisfatório. De Palma aproveita para ensaiar tudo o que intensificaria com o passar dos anos: a ameaça onipresente, a câmera lenta e o suspense alongado as raias da loucura.


Estava engatinhando, cheio de promessas, já sabia conduzir o nervosismo deixando a câmera trabalhar, preocupado com tudo ao seu redor e descobrindo a luz no voyeurismo.

Pega Hitchcock, claro. Faz o protagonista atravessar o país numa aventura trepidante e bem humorada, tal qual Cary Grant em Intriga Internacional. Coloca o sangue e apresenta o shopping center e o elevador panorâmico que mais tarde usará em Dublê de Corpo.

O editor Paul Hirsch certamente viveu um calvário para ordenar tantas seqüências em câmera lenta e alguns momentos de pura apoteose, festinha visual.

Mas, se extrairmos os golpes visuais e criativos do diretor que transforma uma simples perseguição no meio da rua num exercício de tensão, o roteiro balança entre altos e baixos. Autoria do escritor John Farris, trabalhando com seu livro.


A história não traz surpresas, é brejeira e quadrada.

Elenco de primeiríssima qualidade, o que atesta a grandiosidade do produto.

Kirk Douglas é o velho Spartacus. Sexagenário, mas um bom herói. John Cassavetes é o vilão blasé, que apesar da ferocidade facial, não demonstra muito interesse na parada. Fiona Lewis faz a dobradinha do mal com Cassavetes. Os dois sofrerão as mortes mais inventivas e retumbantes já vistas num filme.

Carrie Snodgress com a voz rouca inconfundível e o sotaque caipira, é a amante de Douglas.
Amy Irving, uma gracinha, fica com as honras e o poder de Sissy Spacek do filme anterior. Andrew Stevens é o filho de Douglas, tão expressivo quanto um tijolo.

Pontas de Charles Durning, Carol Eve Rosen e Rutanya Alda.
Dennis Franz, ator-fetiche de De Palma, já está em cena. William Finley é o louco.

Daryl Hannah estréia no cinema como a coleguinha malvada de Amy.

Nicolas Cage e os Masoquistas

8 MM

Um monte de perversão, masoquistas e pederastas. Devassa chique e apática, no submundo da sacanagem fatal, tipo um documentário mondo dos anos 70 com aberrações sexuais.
É o gótico de boate, o punk elegante.

O conteúdo é a sacanagem, mas o resultado é classe A, de estúdio grande sobre a violência que enlouquece e afeta a cabecinha da gente.

Pelo assunto abordado, o tratamento poderia ser pesadão. Mas o diretor é Joel Schumacher, um peão sem estilo que faz tudo sem ousadia resultando em coisas herméticas e previsíveis. Cronenberg talvez fosse o cara certo para a liderar a zoeira, basta ver Videodrome ou Crash para saber o quanto ele sabe lidar com perversões e violência.


É o mito do snuff-filme, com um assassinato ocorrendo na tela, que puxa os fios da meada para o detetive vivido por (puta merda!) Nicolas Cage.

Como em qualquer trama detetivesca, mexer onde não deve chama atenção e atraem coisas, pessoas e ameaças. Cage vai lá, desconexo em sua carantonha de bunda, investigar um filmezinho bem bandido na casa de um milionário que acaba de morrer.

Alguns momentos envolvendo dois ou três pervertidos chegam a ser risíveis. Claro o assassinato é revoltante, mas Cage não precisava fazer cara de dor ao vislumbrar uma cena de sexo oral na janela alheia durante as investigações.

Um pouco de putaria nunca matou ninguém, mas no filme ela endoida de um jeito que dá medo.

O elenco de apoio, pra variar, sai-se melhor que Cage. Joaquin Phoenix, afetadíssimo, bate o pé e diz que é hetero, mas sua mise-en-scène revela uma leve frescura magnética. Ele trabalha numa loja de sacanagem, é o oráculo de Cage e demonstra inteligência pop ao ler A Sangue Frio de Truman Capote.

Os vilões são detestáveis, gente da pesada, que pendem para a baitolagem adquirida. James Gandolfini é o cafifa produtor de filmes de sacanagem, Anthony Heald é o advogado, Peter Stormare é um rabisco de pornógrafo e Chris Bauer é o animal sem cérebro. Myra Carter é a amedrontada contratadora de Cage.

Jenny Powell, era apenas uma stripper contratada como dublê de corpo no filme e acabou ganhando um papel importante, é a vítima do filme que tanto mexe com a cabeça de Cage.

Catherine Keener mais perdida que cupim em metalúrgica, é a esposa de Cage que ousa quebrar as regras representando o lado família, jamais permitido num filme de detetives. Os private eyes são caras duróes e solitários e não papais dedicados.

A fotografia monocromática que divide o preto masoquista com a claridade de dias felizes é de Robert Elswitt. A música muito esquisita é de Michael Danna.