sábado, 23 de maio de 2009

Aronofsky + Rourke = Um Puta Filmaço!

O LUTADOR

Randy “The Ram” Robinson é a Norma Desmond da luta livre, curtindo as mágoas do seu crepúsculo particular. Atormentado por lembranças, embriagado pelas glórias e esperançoso com o distante sucesso. Sobrevive de lutas armadas e sangrentas.


Não tem dinheiro para o aluguel, mas não falta o troquinho das strippers e dos esteróides. Usa a força outrora aniquiladora para descarregar caixas num supermercado. É a triste realidade de um brucutu falido e decadente, uma montanha de músculos que quase não pensa, mas sofre demais.

Surdo e infartado por conta de uma luta de virar o estômago, o ídolo caído começa a sentir o medo da solidão. O pior ringue é o cotidiano o cruel adversário é o fracasso e o prêmio, é a vida não vivida, que chega de mansinho no sorriso desperto na filha negligenciada e na descoberta do amor.


A escolha de Rourke desde o início pelo sábio diretor, dificultou até o financiamento do filme. Os produtores queriam Nicolas Cage (deus nos livre!) e não acreditavam no potencial de alguém obsoleto e com talento para confusões.
Mas essa história é manjada, Cidadão Kane levou pau da crítica na estréia, Jack Warner não acreditava no potencial de Bette Davis e Joan Crawford já envelhecidas e Blade Runner foi um fracasso de bilheteria. A teoria aplica-se perfeitamente aqui. Não é o retorno triunfal de Rourke ao cinema. Ele sempre esteve por aqui e deu o primeiro tour-de-force em Sin City. Agora chegou a vez de esboçar a dor, digna de lágrimas e piedade, paralela com a sua própria realidade de astro em fim de carreira.

Se ele está acabado e não tem mais o rostinho de galã dos anos 80, o que fazer?
É a lei natural, o peso da idade e o preço que se paga pelas loucuras e exageros.
Peito cai, barriga cresce, bunda fica flácida, são coisas da vida. Brigite Bardot não é mais uma gracinha, Robert Redford não arranca mais suspiros e Meg Ryan já está com a boca na orelha. Beleza e talento raramente andam juntos. Rourke perdeu violentamente no primeiro quesito, mas no segundo melhorou com o tempo, e muito.

O que falta de beleza para Rourke sobra para Marisa Tomei, uma espocada de tesão e simpatia em cena como Cassidy, a stripper benevolente que ensinará Rourke a olhar o lado bom da vida, entre doses de tequila e danças quentíssimas no colo do grandalhão.
Evan Rachel Wood, em curta participação, é a filha esquecida e feroz do lutador, responsável pelos momentos lacrimosos necessários a trama.

Mais um ponto bem marcado por Darren Aronofsky, um diretor com uma paixão toda especial por mentes perturbadas e titereiro de personagens cheios de amargor. Sua visão realista e dilaceradora de perturbações psicológicas e sentimentais, costuma levar o espectador ao delírio. Ele não deixa barato e transforma o roteiro vívido de Robert D. Siegel numa odisséia construída no limite da veracidade sufocante.

É inevitável a comparação carinhosa: Randy é tão sofredor quanto Max Cohen, Sara Goldfarb e Tom Creo, personagens distintos da curta e fabulosa filmografia de Aronofsky.

E que venha um novo filme dele, rápido!

sexta-feira, 22 de maio de 2009

É tudo coisa da cabeça

A FÚRIA

Brian De Palma apocalíptico, um ano depois de Carrie, montado no sucesso e sob o jugo de um grande estúdio num filme bem pago e produzido sobre telecinésia (de novo...), terrorismo e os putos do governo por trás de tudo numa conspiração tenebrosa.

Um homem em busca de seu filho sequestrado para fins excusos, perde-se num emaranhado de armações, poderes mentais e gente malvada. Sobra tempo para o amor, algumas piadas e a salvação do planeta.

O auê estético é satisfatório. De Palma aproveita para ensaiar tudo o que intensificaria com o passar dos anos: a ameaça onipresente, a câmera lenta e o suspense alongado as raias da loucura.


Estava engatinhando, cheio de promessas, já sabia conduzir o nervosismo deixando a câmera trabalhar, preocupado com tudo ao seu redor e descobrindo a luz no voyeurismo.

Pega Hitchcock, claro. Faz o protagonista atravessar o país numa aventura trepidante e bem humorada, tal qual Cary Grant em Intriga Internacional. Coloca o sangue e apresenta o shopping center e o elevador panorâmico que mais tarde usará em Dublê de Corpo.

O editor Paul Hirsch certamente viveu um calvário para ordenar tantas seqüências em câmera lenta e alguns momentos de pura apoteose, festinha visual.

Mas, se extrairmos os golpes visuais e criativos do diretor que transforma uma simples perseguição no meio da rua num exercício de tensão, o roteiro balança entre altos e baixos. Autoria do escritor John Farris, trabalhando com seu livro.


A história não traz surpresas, é brejeira e quadrada.

Elenco de primeiríssima qualidade, o que atesta a grandiosidade do produto.

Kirk Douglas é o velho Spartacus. Sexagenário, mas um bom herói. John Cassavetes é o vilão blasé, que apesar da ferocidade facial, não demonstra muito interesse na parada. Fiona Lewis faz a dobradinha do mal com Cassavetes. Os dois sofrerão as mortes mais inventivas e retumbantes já vistas num filme.

Carrie Snodgress com a voz rouca inconfundível e o sotaque caipira, é a amante de Douglas.
Amy Irving, uma gracinha, fica com as honras e o poder de Sissy Spacek do filme anterior. Andrew Stevens é o filho de Douglas, tão expressivo quanto um tijolo.

Pontas de Charles Durning, Carol Eve Rosen e Rutanya Alda.
Dennis Franz, ator-fetiche de De Palma, já está em cena. William Finley é o louco.

Daryl Hannah estréia no cinema como a coleguinha malvada de Amy.

Nicolas Cage e os Masoquistas

8 MM

Um monte de perversão, masoquistas e pederastas. Devassa chique e apática, no submundo da sacanagem fatal, tipo um documentário mondo dos anos 70 com aberrações sexuais.
É o gótico de boate, o punk elegante.

O conteúdo é a sacanagem, mas o resultado é classe A, de estúdio grande sobre a violência que enlouquece e afeta a cabecinha da gente.

Pelo assunto abordado, o tratamento poderia ser pesadão. Mas o diretor é Joel Schumacher, um peão sem estilo que faz tudo sem ousadia resultando em coisas herméticas e previsíveis. Cronenberg talvez fosse o cara certo para a liderar a zoeira, basta ver Videodrome ou Crash para saber o quanto ele sabe lidar com perversões e violência.


É o mito do snuff-filme, com um assassinato ocorrendo na tela, que puxa os fios da meada para o detetive vivido por (puta merda!) Nicolas Cage.

Como em qualquer trama detetivesca, mexer onde não deve chama atenção e atraem coisas, pessoas e ameaças. Cage vai lá, desconexo em sua carantonha de bunda, investigar um filmezinho bem bandido na casa de um milionário que acaba de morrer.

Alguns momentos envolvendo dois ou três pervertidos chegam a ser risíveis. Claro o assassinato é revoltante, mas Cage não precisava fazer cara de dor ao vislumbrar uma cena de sexo oral na janela alheia durante as investigações.

Um pouco de putaria nunca matou ninguém, mas no filme ela endoida de um jeito que dá medo.

O elenco de apoio, pra variar, sai-se melhor que Cage. Joaquin Phoenix, afetadíssimo, bate o pé e diz que é hetero, mas sua mise-en-scène revela uma leve frescura magnética. Ele trabalha numa loja de sacanagem, é o oráculo de Cage e demonstra inteligência pop ao ler A Sangue Frio de Truman Capote.

Os vilões são detestáveis, gente da pesada, que pendem para a baitolagem adquirida. James Gandolfini é o cafifa produtor de filmes de sacanagem, Anthony Heald é o advogado, Peter Stormare é um rabisco de pornógrafo e Chris Bauer é o animal sem cérebro. Myra Carter é a amedrontada contratadora de Cage.

Jenny Powell, era apenas uma stripper contratada como dublê de corpo no filme e acabou ganhando um papel importante, é a vítima do filme que tanto mexe com a cabeça de Cage.

Catherine Keener mais perdida que cupim em metalúrgica, é a esposa de Cage que ousa quebrar as regras representando o lado família, jamais permitido num filme de detetives. Os private eyes são caras duróes e solitários e não papais dedicados.

A fotografia monocromática que divide o preto masoquista com a claridade de dias felizes é de Robert Elswitt. A música muito esquisita é de Michael Danna.