domingo, 17 de janeiro de 2010

Sogras

FANATISMO MACABRO

A velhice é cruel para as mulheres, principalmente para as atrizes de Hollywood. Lembro-me de Goldie Hawn em O Clube das Desquitadas dizendo para Rob Reiner que em Hollywood só existem três idades para as mulheres: gatinha de ficção cienfítica, promotora e Conduzindo Miss Daisy.

As coroas só deram sorte na década de 60. Nesse período, toda velha estrela teve chance de ser feliz. Começou a fase da “menopausa do horror” em Hollywood e o pontapé inicial ficou por conta de Bette Davis e Joan Crawford com O Que Terá Acontecido a Baby Jane e todas as grandes divas embarcaram nos filmes de terror.


Alguns psicológicos e outros mais explícitos, porém todos com a forte presença do clima grand-guignol nas tramas macabras, encenações tétricas, divas coroas e mortíferas e alguns cadáveres pelo caminho. E isso salvou Lana Turner, Gloria Swanson, Debbie Reynolds, Shelley Winters, Olívia De Havilland e mais uma cacetada de respeitáveis atrizes do ostracismo.

Salvou até Tallulah Bankhead.

Fanatismo Macabro é a encenação do pesadelo de qualquer nora: viver sobre o jugo da sogra cruel e dominadora, aparentemente uma velhinha inocente que se revela uma fanática religiosa de marca maior. É a grande virada do filme, a transformação do drama familiar em batalha psicológica numa encenação pesada, carregada de pavor e o céu para os espectadores.

A Sra. Trefoile já foi uma pecadora e não pretende deixar que as tentações terrenas destruam sua família, ou o que restou dela, como aconteceu na sua juventude. Num quarto no alto da escada ela esconde seus segredos. Prega a palavra divina o dia todo e tranca-se na escuridão para tomar pileques homéricos. Mas, Jesus perdoa.

Tallulah carrega sua interpretação com a famosa ira divina que certamente inspirou Piper Laurie para criar Margaret White em Carrie, a Estranha. Curiosamente, este é a última aparição de Tallulah Bankhead no cinema. A atriz famosa por viver um escândalo que supostamente teria inspirado o filme A Malvada, findou seus dias como a vilã Viúva-Negra na série de televisão do Batman barrigudinho com Adam West e Burt Ward.

Ela vocifera palavras bíblicas e justifica suas maldades em nome do paraíso, tentando purificar a moça que foi noiva do seu finado filho, vivida pela jovem Stefanie Powers bem antes do sucesso ao lado de Robert Wagner na série Casal 20. Numa das cenas mais ambíguas de todos os tempos, Tallulah lê a Bíblia em voz alta para a nora empunhando uma pistola. É a palavra de Deus no cano de uma arma, usada como desculpa para fins excusos.

Moralismo quadrado associado à religião de fanáticos no melhor estilo Igreja Universal: tudo é coisa do capeta e só Jesus salva! A Sra. Trefoile só quer conduzir a nora ao caminho dos céus e como isso deve ser eficaz, uma enxurrada de versículos seguidos de um balaço na cabeça, é a melhor forma de encontrar Jesus.

Como um bom vilão que se preze ela também tem seus capangas: a inexpressiva Yootha Joice, o sádico Peter Vaughn e albino feio Donald Sutherland no seu terceiro filme no cinema. Eles formam a tríade serviçal da Sra. Trefoile. Cúmplices de sua loucuras, são quase discípulos de seus experimentos como pregadora religiosa, lembrando Aimee Semple McPherson lendo a bíblia com a voz trêmula e musicada, o maior charme de Tallulah.

Dirigido por Silvio Narizzano que além do estranho sobrenome deixou esse filme e um faroeste com Terence Stamp para lembrar-se dele. A produção de Michael Carreras. Isso mesmo, o nome da Hammer Films sobe na abertura desse mimo do suspense, a garantia de pura diversão. O roteiro enxuto é de Richard Matheson adaptando o livro de Anne Blaisdell.

O título original é “Die, Die My Darling!”, que acabou virando nome de uma música da banda The Misfits, que inspirou-se logicamente no filme.

Down Down Down no High Society

MRS. HARRIS

Se a intenção do filme era humanizar Jean Harris,

a ilustre madame que nos anos 80 matou o Dr. Tarnower, a tarefa finda-se com amargor romântico na visão feminista e sensível de um notório crime.

Quase um documentário com os atores dando depoimentos interpretando os verdadeiros personagens da tragédia. Lembra O Reverso da Fortuna, meticulosa reconstituição de outra burrada da alta sociedade americana, o caso Von Büllow. É espantoso o quanto os ricos americanos adoram se matar, promover tragédia. Pobre se mata todo dia e nem por isso vira sensação.


Jean era uma dama que pendia entre a sofisticação e a arrogância. Nos anos 60, ela conheceu Herman Tarnower, o mulherengo esquisito que inventou a famosa dieta de Scarsdale.

Os dois partilharam por 14 anos de um amor frio embalado pela paixão inexorável de Jean diante da indiferença de Tarnower com o sexo esquisito e meticuloso num relacionamento depressivo e psicótico, onde a mulher que precisava de segurança esperou demais do homem que era apenas um velho rico bem-dotado que adorava contabilizar suas conquistas. Não há cabeça, pessoa ou mulher que resista a tamanha maldade e se ela passou fogo nele, parecia estar com a razão.

Anette Bening confere glamour, charme e dor em sua interpretação de Jean, carrega o filme com toda a sua neurose. Ben Kingsley é um cara esquisito, meio porcalhão e escandaloso que se encaixa perfeitamente no papel de Tarnower, um homem que gostava de conversar enquanto a amante lhe masturbava.

Cloris Leachman está impagável como a cunhada jararaca. Chloë Sevigny é a amante ridiculamente submissa que chega ao extremo de pintar os móveis da casa de Tarnower, apenas por amor. Ellen Burstyn, que já interpretou Jean Harris em outro telefilme, aparece numa pontinha misteriosamente indicada ao Emmy, como uma ex-amante de Tarnower.

No fim das contas, muita coisa ficou no ar e disseram que Jean foi para a casa de Tarnower querendo se matar. Durante uma briga para desarmá-la, a arma disparou acidentalmente e Tarnower foi para o beleléu. 12 anos de cadeia para Jean, com direito a absolvição, o sucesso e trabalhos filantrópicos em prol das presidiárias de Bedford Arms.

Produção televisiva, coisa de luxo da HBO dirigido por Phyllis Nagy partindo do livro de Shana Alexander e com direito a damas fatais do cinema na abertura ao som de Put The Blame on Mame.