sábado, 30 de outubro de 2010

Entre o antes e o depois, o talvez

After.Life

Sem muito o que se apreciar, exceto o medo da parca negra inevitável, sobra Liam Neeson salvando a pátria como o síndico do limiar entre a vida e morte. Sentindo-se o juiz do destino alheio, profere frases de efeito sobre viver, defecar e mijar só para não dar a cara a tapa, transitando entre a solidão e a bandidagem.

Torcer por ele é um mérito do filme, assim como admirá-lo em cena. Garboso e cheio de método, faz poesia com atividades funestas e cria um personagem que evoca carinho e repulsa. Quando ele fala que está ali apenas para 'enterrar', a coisa vai encardir. Ele é o agente funerário que prepara os defuntos para o momento de transição. Sua nova aquisição é Cristina Ricci, em trajes mínimos e guardando a nudez incompleta só para o final. Cristina, você já esteve mais gostosa.   

Justin Long, um ator batuta, é o sofredor tentando salvar a donzela e enchendo a cara para compreender os mistérios donde vévi os mortos. Chandler Cantlebury é o clichêzinho mirim que entra em osmose com as filosofias de Neeson. Celia Weston, pra variar é mãe de alguém, mal aproveitada e cheia de amargor numa cadeira de rodas. O elenco todo se atormenta, se esbofeteia e anda no fio da navalha apenas por não enxergar o óbvio muito óbvio desde o início do filme. Tatear o sobrenatural é conversa pra morto dormir e disfarçar uma ameaça real.

No cagar dos pintos, é um festim psicológico esquisito, onde faltam nós em amarras e mutos balões são inflados sem ganhar o céu. Tudo bem, é filme de principiante querendo fazer charme visual.

A ilustre desconhecida Agnieszka Wojtovicz-Wosloo talvez seja a nova infant terrible da arte dos sustos, abençoada em Sundance pelo curta-metragem Pate

O suspense só martela os nervos num exercício trivial de tensão que ousa questionar vida e morte e serve para aliviar a pasmaceira, passar uma hora diante da tela perguntando se o que está acontecendo é verdade ou mentira, coisa sobrenatural ou pura maldade.

Sobrenatural mesmo é a babação de ovo em cima da diretora Agnieszka. Seu astro Liam Neeson declarou ao Wall Street Journal que ela tem algo de Kahryn Bigelow. Se a profecia estiver certa, Afer.Life poderá ser reverenciado no futuro por meus filhos da mesma forma que reverencio Quando Chega a Escuridão da Sra. Bigelow.

Quem sabe, Agnieszka ganhe o seu Oscar de melhor diretora em breve.

Reencontros e homenagens

Um Misterioso Assassinato em Manhattan

Depois de explicitar suas intenções sobre o fim do casamento com Mia Farrow em Maridos e Esposas, Woody correu atras do prejuízo moral e foi de reencontro ao seu grande amor do passado, Diane Keaton para este filme. Chamou até Marshall Brickman, outro velho amigo de dias melhores, para roteirizar a peça.

O neurótico e a nervosa, agora casados e vinte anos depois, continuam imbatíveis nas mediações de Nova York. Não é A Última Noite de Boris Grushenko e nem O Dorminhoco, mas o pas de deux humorístico entre Woody e Diane funciona muito bem. Diane é a mulher presa ao cotidiano que acredita ter acontecido um assassinato em seu prédio. Com a adrenalina saindo pelas orelhas, ela envolve o marido medroso e inseguro, personagem tradicional de Woody que meio mundo acredita ser igual fora das telas, numa trama mirabolante onde os dois provocam risos e soltam risadas descaradamente um para o outro.  

No picadeiro armado de palhaçadas e lembranças, o texto afirma que existe (ou existiu) vida inteligente no cinema comercial, com piadas sutis e malabarismos que cortejam a criatividade de um autor. Ele tentou dizer que não seria mais um cineasta pretensioso. Mentira pura.

Existe densidade nos personagens deste filme, mas nenhum deles toca aquela punheta intelectual filosófica retomada em filmes seguintes e tão adorada pela massa cult que não aguentaria um dia sequer em Nova York e vai ao terapeuta só pra fazer farol. 

A única coisa que os cults quase não percebem enquanto procuram a luz no subtexto de seus filmes (coisa que eu também faço de vez em quando) é a capacidade ambígua de Woody em tirar graça ou construir tragédias profundas em cima das banalidades cotidianas,  homenageando boas idéias em toda a sua filmografia. Se você nunca viu Bergman, Fellini, Resnais ou até mesmo um filme expressionista alemão, jamais reconhecerá as fórmulas de Woody, lamento. 

Homenagem por homenagem, este aqui está cheio delas. Hitchcock, Billy Wilder, Roman Polanski e Orson Welles foram alinhavados para criar uma nova fórmula bem delineada e cheia de reviravoltas, sempre na contramão da comédia, para excitar cada vez mais o espectador.

E isso não é a minha balela costumeira sobre clichês. Falta de originalidade é uma coisa. Homenagens para o olho treinado na sétima arte, são outros quinhentos. O olho treinado consegue manter o sorriso malicioso num filme de Tarantino, o cult de boutique não.

Alan Alda é o pé-de-pano louco para dar uns pegas em Diane. Seu oposto feminino é Anjelica Huston, a escritora louca para dar uns pegas em Woody. No fim, Woody e Diane eternamente apaixonados, não se deixam pegar por ninguém. Alan e Anjelica até se pegam, mas ele foge do desafio, alegando não ser jovem o suficiente para aguentar Anjelica em toda sua força e tamanho.

Ron Rifkin e Joy Behar são o casal de amigos, enfeites de cena. Jerry Adler é o suspeito, Lynn Cohen é a defunta que insiste em continuar viva e Melanie Norris é a loira fatal. Com uma vilania contida, Marge Redmond é a cúmplice descartada.

Bobby Short canta lindamente na abertura, enquanto Nova York aparece em plenitude e estado de graça, assim como o diretor deste filme.  

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

'Eu cantaria até o dia nascer para mantê-la viva...'



Noite De Desamor é com toda certeza um dos filmes mais emocionantes que eu já assisti na minha vida, sugestão de um grande amigo que sabia do meu gosto por filmes com longas conversas e boas atuações. E o cara acertou em cheio. Melhor mesmo, só um outro amigo que descolou recentemente uma versão do filme, infelizmente ainda não disponível no mercado de DVD nacional, que revi em mais uma madrugada insone. 

É uma profunda reflexão sobre o suicídio, defendida por duas grandes atrizes que armam uma guerra de atenções para saber quem emociona mais. A efusividade de Anne Bancroft luta contra a dor de Sissy Spacek em cada segundo de filme. Aos 21 minutos, a coisa já encardiu seriamente em cena.

E eu  é que não vou ficar de rodeios: Sissy Spacek é Jessie, meticulosa, divorciada, epiléptica e com um filho problemático que raramente dá as caras. Mais que isso, sua personagem é sarcástica e determinada, está de saco cheio da vida e traçou um objetivo de maneira fria durante dez longos anos: no final da noite de sábado, vai cometer suicídio. É o seu direito, a chance de escapar para a tranquilidade almejada dos sete palmos abaixo da terra, abandonar a incompreensão do mundo e o zelo de sua mãe, Thelma.

A saudosa Anne Bancroft é a mãe meio doidinha que não sabe viver sem a filha. 
É o oposto da fatigada Jessie. Vivida e experimentada, dribla todas as agruras da vida com um sorriso, algumas fofocas e doces espalhados pela casa. Seus esforços em impedir a filha contribuem para a tensão crescente do filme e enquanto a noite avança, Thelma percebe que a filha não pretende desistir. 

Quando eu digo que o filme me emociona profundamente, não sei nem se o ponto exato da coisa está na fadiga e a determinação da filha suicida ou nos esforços da mãe em preparar maçã caramelada e chocolate quente para salvar o único amor que lhe resta numa noite de lembranças e lavação de roupa suja entre as duas, com emoções tão cruas e nada sutis. 

O filme não é pouca coisa. É um vale de lágrimas honesto em que a mãe procura incansavelmente um motivo para o ato da filha. Sentimentos são dissecados com amargor e frustrações reprimidas ganham a tela, numa terapia de sentimentos em que a filha tenta justificar as suas decepções e aliviar a barra da mãe, apesar de ter organizado perfeitamente a sua despedida e não voltar atrás em sua escolha.

Deveria ser como todas as outras noites de sábado que as duas passaram juntas, mas um fim de semana tranquilo vira uma confronto de duas vidas, uma querendo acabar e a outra, lutando para impedir. 

Extremamente teatral e dialogado, não recomendável para quem não tem paciência de apreciar um texto sincero e coerente sobre as merdas da vida. Falando em teatro, o filme é adaptado de uma peça de Marsha Norman, considerada altamente polêmica e impressionante para a época de sua estréia, 1983. Brincando, levou o Pulitzer de melhor drama teatral.

O diretor do filme, Tom Moore, é o mesmo que conduziu a peça ao sucesso nos palcos e concilia muito bem a emoção com a visão estética. Noite De Desamor é um título abrasileirado. O nome original do filme 'Night Mother, é apenas 'Boa Noite, Mãe', o mais triste da história do cinema. A trilha sonora de David Shire é outro mérito do filme, com densos solos de violão ouvidos apenas em momentos necessários.  

Curiosamente, nenhuma das duas atrizes recebeu indicações ao Oscar, motivando a fúria de Anne Bancroft na época, que disparou: 'Eu deveria ter sido indicada apenas por memorizar todas aquelas falas!'

Não só isso, Anne. Você e Sissy mereciam qualquer prêmio por esse filme.  

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Coisas De Adolescente


Se você foi adolescente, deve ter vivido aquela paixonite colegial e teve aquele amigão brother e um outro, que se revelou um baita traíra. Foi vítima da fofoqueira da escola, juntou a galera e foi num puteiro. Que atire a primeira pedra aquele que nunca mentiu para a mãe que estava estudando com os amigos, só pra fumar um cigarrinho com ciência, escondido.

A loira mais sexy e vazia da escola, que ficava com todo mundo, foi o seu sonho de consumo e nesse meio tempo você não percebeu o amor secreto daquela amiga que você tratava feito brotherzão, né?

Se você viveu isso tudo, a sua adolescência foi do caramba e você deveria assistir As Melhores Coisas Do Mundo. Sentar diante da televisão para curtir o novo filme de Laís Bodanzky, mãe do tremendo Bicho De Sete Cabeças, é despertar no coração um facho de nostalgia.

O fumar sem saber só pra fazer um grau, aprender violão para impressionar as meninas, deixar nascer uma nova consciência ao participar do grêmio estudantil, enfim. O roteiro de Luís Bolognesi, adaptado com exatidão dos livros de Gilberto Dimenstein e Heloísa Prieto, defende a nossa melhor época, de fazer escolhas e amargar renúncias, buscando uma nova posição no mundo e amadurecendo do jeito que bem nos agradar.

Os personagens são cheios de doçura e simpatia, escapam do estilo Malhação sempre que respiram realidade e convencem. Francisco Miguez é o protagonista, o Mano, formando uma dobradinha cheia de ternura com Gabriela Rocha, a Carol da galera. Até o Fiuk, defendendo a tragédia inevitável de um emo existencialista, revela-se um ator convincente.

A galera de responsa é encabeçada por Denise Fraga e José Carlos Machado, os pais divorciados que detonam o amadurecimento. Caio Blat e Paulo Vilhena representam em pontinhas os ídolos da adolescência de alguns sonhos inconsequentes daquela época.

Alguns clichês na história são inevitáveis. Nós é que adoramos vivê-los e reprisá-los. É disso que o filme trata. Transformar a realidade e crescer. Observar o mundo agigantando diante do olhar, vencer preconceitos e sobreviver com a cuca boa diante das mudanças, agradáveis ou não.

Something na trilha sonora, uma ou outra pegadinha visual tipo Requiem Para Um Sonho, cortesia de Daniel Rezende, vencedor do BAFTA e montador de Cidade De Deus.

Fazer o quê? A vida e o cinema estão cheios de clichês. O lance é ver ou viver o clichê de forma diferente. It's up to you.

"Dá pra ser feliz depois que a gente cresce. Só é um pouco mais complicado.", profetiza Mano, o nosso herói. Outras coisas aparecem na vida da gente depois que amadurecemos. Mas, algumas das melhores mesmo, a bomba de chocolate da padaria ou um grande amor, vivemos só na adolescência.

Retorne ao ontem, recorde a sua melhor fase com esse filme.
Não dói nada, eu acho.

sábado, 2 de outubro de 2010

Meu primeiro Altman



Se você me conhece profundamente deve saber que eu curto Robert Altman e um dos meus filmes favoritos é Pret-à-PorterEu também adoro Quando os Homens São HomensShort Cuts, Nashville, Assassinato em Gosford Park, Cerimônia De Casamento, A Última Noite e confesso que M*A*S*H não mexe comigo.

Pret-à-Porter foi o meu primeiro Altman, e ajudou a despertar esse tesão incontrolável pela sétima arte, e daí pra frente (ou pra trás e pros lados), descobrir o cinema desse autor americano, é um prazer inenarrável. A turma que viu Short Cuts porquê comprou aquele livro dos 1001 Filmes Para Ver Antes De Morrer, não sabe da missa a metade.

Filme do Altman tem que ter MUITA gente andando pra lá e pra cá, a câmera nem um pouco preocupada. A preocupação é cruzar vidas de forma voyeurística e mesclar histórias. Brincar com a cronologia, criar suspense, eriçar a curiosidade, emocionar, divertir e liberar a imaginação sobre o quê aconteceu com quem.

Isso é Altman. Crítica social e humor negro fazem parte do pacote. É só masturbar os 90% restante do cérebro, que você percebe. Coragem. Não dói nada.

O roteiro do diretor em dobradinha com Barbara Shulgasser, tira a maior onda com a futilidade do mundo fashion e causou comoção com estilistas e modelos na época do lançamento. Toda esse gente sentiu-se ridicularizada com o filme.

Azar o deles, o espírito é esse. O cenário é Paris e o filme foi injustiçado e incompreendido, tal qual Blade Runner e Cidadão Kane. Quem sabe daqui trinta anos, ele vira um clássico indispensável.

O elenco é uma guerra. Sophia Loren, Marcello Mastroianni, Anouk Aimée, Jean-Pierre Cassel, Kim Bassinger, Lauren Bacall, Stephen Rea, Teri Garr, Tracey Ullmann, Sally Kellerman, Linda Hunt, Richard E. Grant, Forrest Whitaker, Rupert Everett, Tim Robbins, Danny Aiello, mais umas duas mil pessoas e a mãe do Badanha amarrada num piano.

Altman homenageia Ontem, Hoje e Amanhã, alguns mistérios risíveis surgem pelo filme, em meio a porres homéricos. A atenção é disputada. Grace Jones canta La Vie En Rose no final. A trilha sonora é cortesia de Michel Legrand. Pra quem curte anorexia, tem um monte de mulher gostosa. Um assassinato aconteceu ou não.

O final desfere um tapa tremendo na falta de criatividade. Nesse meio tempo, alguns personagens podem parecer inúteis em cena, mas são tão engraçadinhos. Como certas pessoas na vida da gente, sabe?

E se você gosta de moda, precisa assistir. São os anos 90 e figuraças como Christian Lacroix, Issey Miyake, Jean-Paul Gaultier, Claude Montana, Thiery Mugler, Sonia Rykiel e Nicola Trussardi aparecem em cena, participando da brincadeira.

A vida alheia está em cena para você acompanhar.
Então, corre e assiste. Caso não goste, pode vomitar lá fora.