terça-feira, 18 de agosto de 2009

Viagem Jodorowskyana

EL TOPO

El Topo significa toupeira. A toupeira sempre que precisa da luz solar, cava até a superfície, mas acaba cega pelo excesso de iluminação. Calma coleguinhas, esta metáfora é a última coisa a se preocupar na história de um pistoleiro fodão que atira até de costas, em busca de transcendência.

El Topo é um pistoleiro na linha do homem silencioso criado por Sergio Leone para Clint Eastwood. Vagando pelo deserto com seu filho nu á tira-colo, o nosso herói encontra uma cidade completamente dizimada e sai á caça dos miseráveis que protagonizaram o massacre.


Encontra três marginais cômicos: um que beija sapatos femininos, outro que picota uma banana com uma espada e o terceiro que constrói um corpo de mulher com grãos para depois comê-los! Enchendo os três de bala, El Topo descobre que um certo Coronel é o responsável pelo massacre.


E lá vai ele, pronto para dizimar mais cinco picaretas que abusam de pobres monges franciscanos, com violência orquestrada e sangue vermelho vivo de fazer inveja a qualquer filme de Peckinpah. Justiça feita, todo mundo morto, beleza.

El Topo abandona o filho e foge com Mara, a cocota do Coronel para um deserto bíblico onde ele medita e adoça a água de um rio tal como Moisés. Milagreiro que só ele, ainda tira água de pedra e ovos da areia. Estupra Mara, libertando-a da repressão e fazendo a pobrezinha ter o seu primeiro orgasmo, ser mulher de verdade. Violentada e feliz, Mara mete na cabeça de El Topo que ele precisa ser o melhor e para isso terá que enfrentar os quatro grandes mestres das armas que moram no deserto.

Numa viagem em espiral e para encontrar sua luz, El Topo sai no tiro com os tais mestres e aprende segredos vitais de transcendência, força e resistência em meio á analogias bíblicas, budistas, judaicas e taoístas deixando de ser um pistoleiro vingador para tornar-se um messias.

Nesse processo todo de transcendência, muita coisa passa pela tela e pega a gente de surpresa: o culto ás armas, uma velha bruxa com um baralho de tarô, um homem sem perna atrelado nas costas de outro homem sem braço, uma misteriosa mulher de preto, um leão, prostitutas nuas, El topo chupando um besouro egípcio, transes, um certo triângulo com um olho no meio e milagres, brow, muitos milagres!

No fim, ele reconcilia-se com o filho e se mata no final, pois percebe que sua presença no mundo já não tem mais motivo e o filho abandonado deve seguir seu caminho.

Legal né? Entendeu? Não?
Vá lá, confesso que nem eu entendi muito por conta do excesso de detalhes.
Um filme com uma “viagem” aqui e outra ali, não faz mal.
Mas El Topo é “viajão” demaaaais, mora? Um cigarrinho do demônio antes da exibição é aconselhável.

O simbolismo fantástico, a fotografia belíssima e as imagens impressionantes, acabam tornando o filme uma obra tão curiosa e divertida quanto inesquecível.

Envelhecido e talvez fora dos padrões “mudernos”, El Topo reflete o espírito de uma época de revoluções contra a cultura e a sociedade. Muita coisa fica no ar e quem sabe uma revisão não seria má idéia para “pegar” detalhes (inúmeros, por sinal) que vez ou outra acabam escapando.

Na época em que foi feito, o filme foi banido do México e virou um darling por conta de outro maluco, John Lennon, apaixonado que só ele ao ponto de mandar seu empresário comprar os direitos do filme por conta de seu conteúdo controverso. Proibido e violento, El Topo virou o primeiro midnight movie da história e fez um sucesso arrebatador, hoje um cult ao redor do mundo.

O realismo no filme é de impressionar: os animais mortos e estripados na abertura, são verdadeiros, assim como os coelhos, mortos a golpes de caratê pelo próprio diretor.


Quando El Topo estupra Mara no deserto, os atores estão realmente fazendo sexo.
O garoto que acompanha El Topo é o filho do diretor e também protagonista desta louca odisséia, meu novo ídolo, Alejandro Jodorowsky, o paladino do surrealismo e da contracultura, um dos poucos diretores capaz de me deliciar com toda a sua piraceira dos anos 70.

E cada vez mais me convenço de que nasci na época errada...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Fatias De Vida

“Até os meus piores filmes rendem dinheiro e viram clássicos um ano após o lançamento.”

13 de Agosto de 1899, nascia o homem que iria impressionar multidões por longos anos.


Alfred Hitchcock, o mestre do suspense, criador de tramas mirabolantes, cenas inesquecíveis, heróis equivocados e vilões diabólicos.

Sou fã confesso de toda a sua filmografia, até da fase inicial, onde ele era um errôneo diretor de comédias românticas. Me espantei nas madrugadas da vida com Psicose, gravei Os Pássaros em VHS e assistia incansavelmente, hoje já o tenho em DVD.


Perdi a hora da aula e levei esporro da mãe no dia em que passaram Frenesi, mas o assisti com a cumplicidade dos meus avós, claro. Não perdia no canal USA as reprises do seriado Alfred Hitchcock Apresenta, enquanto a madrinha Zélia fazia crochê no sofá ao lado.
Com muito orgulho, no primeiro ano do segundo grau (ainda se fala assim?), apresentei um trabalho numa aula de inglês sobre o homem.

Alfred e eu temos coisas em comum: gostamos de sustos e pavor, mas somos medrosos de marca maior e caímos sempre de amor por loiras gélidas.

Quando começou no cinemão comercial, em 39, David Selznick achava que ele era o cara certo para dirigir Titanic. Brigou tanto com o chefão que conseguiu dirigir Rebeca, A Mulher Inesquecível (Ou Recível - A Mulher Inesquebeca, para alegria da Juliana Dacoregio).

Tinha medo de policiais e de ovos. Teve cinco indicações ao Oscar, sem jamais faturar algum, exceto aquele desgraçado prêmio pelo “Conjunto Da Obra”, conferido aos futuros defuntos. Conseguiu respeito nos EUA quando os europeus disseram que seus filmes eram obras incontestáveis da humanidade.

Dirigiu os maiores astros de todos os tempos: Tallulah Bankhead, Laurence Olivier, Ethel Barrymore, Marlene Dietrich, Charles Laughton, Joan Fontaine, Judith Anderson e Janet Leigh. Nos fez acreditar que James Stewart e Cary Grant eram os homens imaculados. Lançou Anthony Perkins, Barbara Harris, Shirley MacLaine, Karen Black e Jon Finch ao estrelato. Brigou com Doris Day e certamente amou tanto Grace Kelly, que jamais se perdoou ao rodar Ladrão De Casaca em Mônaco.

A imprensa quis saber o motivo dos seus filmes obterem tanto sucesso: “Todo mundo gosta de levar susto.”
Em outra ocasião, não se acanhou em dizer:
“Para mim, Psicose é uma grande comédia!”

Quando a Fox não conseguia dar um jeito em Cleopatra, pensaram em chamá-lo para endireitar o filme. Não, obrigado. Foi proibido por papai Walt Disney de rodar umas cenas na Disneilândia, só porque dirigiu Psicose.

Ao saber que Hitchock gostaria de ter comprado os direitos autorais de Les Diaboliques, os escritores Pierre Boileau e Thomas Narcejac o presentearam com um conto chamado Dentre Les Morts, que virou o cult Um Corpo Que Cai.

Detestava Brian De Palma e temia o sucesso de Dario Argento, seus melhores imitadores. Era amigo de Truffaut e disse que Buñuel era o grande diretor do mundo. Presenteou Mel Brooks quando este brincou com sua filmografia em Alta Ansiedade.

Não faz muito tempo que sua filha Paticia declarou numa entrevista que dois filmes divertiam o seu pai: a comédia Agarra-Me Se Puderes e Benji, aquele do cachorrinho.

Spielberg, Scorsese, Raimi, Carpenter, Tarantino e qualquer outro metido a fazer suspense cheio de clima, devem lhe pagar tributo.

Na lista dos 100 Grandes Filmes da Humanidade, o homem aparece quatro vezes. Dezoito constam naquele livrinho batuta, 1001 FILMES PARA VER ANTES DE MORRER.

Na maior da inocência, acreditava apenas praticar uma arte e sem saber que ao aprofundá-la, produziu leis e criou regras que constituem o abecedário cinematográfico, virando até adjetivo: “É um suspense tão hitchcockiano!”, diz a turma hoje em dia, alguns sem saber a essência da coisa.

No fim da vida, Hitch com a saúde complicada, teve que usar um marcapasso. Sempre que recebia uma visita, fazia questão de mostrar o aparato com orgulho e dizia com a voz pausada fixando os olhos no interlocutor, que a engenhoca deveria fucionar por dez anos, mas poderia parar a qualquer minuto.


É ou não é o pai do suspense?

terça-feira, 11 de agosto de 2009

"Não existe arte idiota, e sim, artistas idiotas..." - Jodorowsky

MOSTRA JODOROWSKY

Cineasta, dramaturgo, tarólogo, quadrinista, especialista em piscomagia e precursor da arte multimídia, Alejandro Jodorowsky é um gênio incompreendido pelo público careta e bitolado em sucessos holywoodianos. Visionário e encenador original, é uma entidade metafísica cujo nome está em toda parte e cujos filmes não se viam em lugar algum.


Diretor autoral de seis longas-metragens, Jodorowsky construiu uma obra desconcertante sem jamais esperar retorno financeiro ou preocupar-se com as reações do público e continua atraindo um séquito de admiradores em torno da magia de seu cinema. Hollywood já se rendeu aos seus encantos e cineastas de prestígio lhe são tributários confessos.

Jodorowsky fez sucesso abaixo de socos e pontapés desde a exibição de seu primeiro filme em 1968, Fando y Lis no Festival de Acapulco, motivo de revolta e confusão por conta de alguns espectadores, levando o diretor a deixar o cinema pela porta dos fundos.

Em 1970, o seu segundo longa-metragem lançado timidamente numa madrugada nos EUA, ganha repercussão e o faz ganhar o mundo, devido á admiração expressa de artistas como Glauber Rocha, John Lennon, Mick Jagger, Andy Warhol e Samuel Füller, espectadores incidentais da película El Topo, campeão de bilheteria do cinema underground mundial.

Dos dias 24 á 27 de Agosto, o SESC de Criciúma em parceria com o CCBB, estará realizando a Mostra Jodorowsky, com a exibição de quatro filmes importantes da carreira do diretor: A Gravata (1957), Fando y Lis (1968), El Topo (1970) e A Montanha Sagrada (1973).

Se a gripe suína não dizimar Criciúma, na noite de abertura, a mostra conta com a minha ilustre presença discorrendo junto ao público acerca da carreira de Jodorowsky.

Já assisti aos filmes e confesso que fiquei estupefato diante de tanta loucura, transcendência e iluminação.

A abertura da mostra e as exibições acontecerão sempre á partir das 19 horas, todos os dias.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Amor e Tentação / Inferno e Danação

A NOITE DO IGUANA

Como todo bom texto de Tenesee Williams, este filme é carregado de personagens peculiares, tensão sexual e diálogos ferinos.

A direção corajosa é do grande John Huston, trabalhando no México que ele tanto amava e com um orçamento altíssimo apenas para pagar o salário dos astros. Huston, disposto a criar tensão entre o elenco isolado, presenteou cada ator com uma pequena pistola banhada á ouro carregada de balas com o resto dos nomes do elenco. Ou seja, se a coisa esquentasse e alguém perdesse a paciência de verdade durante as gravações, todos tinham carta branca para matar um ao outro com direito á bala personalizada.

O caldeirão ferve intensamente no hotel Miss Malay na costa do México, lugar escolhido por um ex-padre, uma decadente viúva, uma pintora fracassada, uma ninfeta fogosa e sua protetora, todos em busca de alívio para seus demônios interiores num clima sórdido, triste e por vezes cômico de lavação de roupa suja ou intensa terapia defendido com classe pelo roteiro teatral do próprio Williams, com a ajuda de Huston e Anthony Veiller.

O elenco é de um magnetismo estupendo. Richard Burton com toda a malícia do seu sotaque inglês, é o protagonista andando no fio da navalha e tentado por três mulheres,
cada uma com um desejo específico nada agradável para a sua pessoa. E para um sacerdote perdido entre as convicções religiosas e o desejo carnal, Burton encontra-se em papos de aranha, mal arranjado entre tantos arquétipos femininos, afastando-se cada vez mais da realidade e mergulhando num abismo pavoroso de danação.

As três musas que infernizam o coração e a fé de Burton, não poderiam encontrar melhores intérpretes. Ava Gardner é a saidinha dona do hotel, a viúva conformada e conivente com todos os caprichos e trambiques de Burton, pois esboça desde o início a vontade de tornar-se a esposa do reverendo e ser amada com toda intensidade. Deborah Kerr tem ares de anjo da guarda no papel de uma feérica pintora sem um pinto pra dar água, sempre com a sabedoria na ponta da língua para expiar os pecados da galera. Sue Lyon, dois anos após o sucesso de Lolita, repete o papel da ninfeta caliente pronta para se ajoelhar aos pés do sacerdote com a pior das intenções.

O elenco de coadjuvantes também é um caso de admiração e respeito. Cyrl Delevanti entra como o poético avôzinho, perdido entre seus versos de despedida do universo aporrinhante. Mary Boylan é o rascunho do mapa do inferno, a horrenda Beebee.

Roubando na cara dura a maioria das atenções de quem assiste, Grayson Hall é a harpia lésbica pregadora da desgraça. O rosto feroz e os destemperos emocionais garantiram a soberba dama inglesa uma indicação ao Oscar de coadjuvante na época.

Para um filme de 1965, A Noite do Iguana tem coragem de sobra. Se hoje em dia o cinema ainda consegue impressionar o público com temas polêmicos, é de se pensar nos espectadores daquela época diante de uma história sobre devaneios amorosos, insultos de chumbo grosso todos direcionados a sexualidade de cada personagem, porres de rum, cigarrinhos malditos e Ava Gardner aos amassos com dois muchachos na praia.

A trilha sonora melancólica é de Benjamin Frankel e a fotografia de Gabriel Figueroa.
Os figurinos de Dorothy Jeakins foram premiados com o Oscar. Antes da tela grande, o texto de Williams estourou nos palcos da Broadway em 1961, tendo Bette Davis diante do elenco no papel de Maxine, a dona do hotel.

Durante as gravações, o explosivo caso de amor de Richard Burton e Elizabeth Taylor acabou vindo á tona. A atriz não se acanhava de visitar o amante constantemente no set, virando alvo de notícias e fofocas no mundo todo.

O título esquisito menciona uma tradição mexicana: caçar, prender, cevar e devorar a iguana.


Não é preciso explicar onde se encaixa tal metáfora, certo?