
Em 1959, o roteiro de Gore Vidal e Tenessee Williams, polêmicos por natureza, ousou expor homossexualidade, esquizofrenia, lobotomia, canibalismo e incesto, não necessariamente nesta ordem e com muito sofrimento escorrendo tela abaixo. A censura torceu o nariz, mas no ano seguinte o incômodo foi maior com Stanley Kubrick e Lolita.
Você está achando que é um filme de terror pesadíssimo. E falta pouco para a coisa descer a pirambeira. O gótico impera no estilo Hammer com direito a uma estátua da morte num jardim, uma planta carnívora e a vilania insaciável de damas sulistas.
Animado com o sucesso da peça de Tenessee Williams nos palcos americanos e a gorda bilheteria de Gata Em Teto De Zinco Quente, produção cinematográfica anterior com texto também de Williams, o produtor Sam Spiegel desembolsou uma grana e chamou Elizabeth Taylor, Katherine Hepburn e Montgomery Clift para a linha de frente.
Joseph L. Mankiewicz, o grande diretor de A Malvada, comandou o espetáculo com três indicações ao Oscar. Hepburn e Taylor foram indicadas ao prêmio de Melhor Atriz, coisa inédita para a época. Perderam para Simone Signoret. A direção de arte sinistra também levou uma indicação.
Por mais que o roteiro insinue muita sacanagem, maldade e relações predatórias, a mensagem é clara e o bom entendedor enxerga nos primeiros discursos. Muito do que aparece em cena tem fortes ligações com a vida de Tenessee. Sua inquieta irmã Rose foi lobotomizada a força pela mãe dominadora e Williams vivia em psiquiatras. Sua prosa é incrível, cheia de simbolismos e lamentos que transitam entre o glamour e o recalque.
Montgomery Clift é o Dr. Cukrowicz, o idiota incapaz de sacar toda a maldade por baixo dos panos, com perguntas irritantes que nos levam a duvidar da inteligência do jovem psiquiatra. Seu personagem está deslocado e vira um joguete nas mãos de duas mulheres ardilosas. Suas interpretações tornaram-se diferentes devido ao acidente que mutilou a sua bela face de galã e o deixou cheio de dores, com a fala travada e as expressões duras por conta do maxilar reconstruído e dependente de drogas para ficar em pé.
Sua presença em cena é mérito único de Elizabeth Taylor, melhor amiga do ator que implorou para que ele não se enterrasse no esquecimento e continuasse trabalhando.
Katherine Hepburn está irretocável como Violet Venable, vilã classuda, bruxa sofisticada e venenosa. Suas entradas majestosas, o gestual, o sotaque e a placidez no tom de voz, escondem um objetivo monstruoso a fim de preservar a memória intocável do idolatrado filho Sebastian, que morreu de repente, no último verão. Ela tem um parafuso a menos por trás do luxo doentio. Seus figurinos deslumbrantes foram desenhados por Norman Hartnell, o costureiro particular da rainha Elizabeth II.
Elizabeth Taylor não deixa barato. Linda e alucinada, sua personagem Catherine, é a suposta louca, com o saco estourando por sua condição imposta pela família e dilacerada por lembranças dos hábitos suspeitos de sua tia e seu primo.
Catherine sabe da verdade. A tia Violet quer silenciá-la comprando uma eficiente lobotomia a cargo de Cukrowicz, para tornar a sobrinha num vegetal dócil e calado, adiantando o modus operandi da enfermeira Mildred Ratched em Um Estranho No Ninho.
Nessas horas, a idiotice disfarçada de curiosidade do bom doutor, ajudam a impulsionar a trama e aumentar o mistério que culmina na verdade acerca do que aconteceu no último verão envolvendo o jovem Sebastian. Verdade horrível e inevitável, o clímax do filme que passa de raspão pelo terror e causa arrepios, com todas as honras.
O elenco de apoio colabora com a fuzarca, pois o resto dos personagens espera lucrar alguma coisa no fim. Mercedes McCambridge, com sotaque caipira e falastrice exacerbada, é a mãe que negocia o cérebro da filha por cem mil dólares.
Albert Dekker é o patrão do psiquiatra de olho nos cheques da Sra. Venable. Gary Raymond é o irmão fascinado pelas roupas do falecido Sebastian e Mavis Villiers faz uma pontinha engraçada como a Srta. Foxhill, a secretária enérgica com voz de taquara.
O filme quase dançou nas mãos dos censores, que permitiram apenas menções ao homossexualismo, sem mostrar nada apelativo. A Liga Católica forçou os produtores e o roteirista Gore Vidal a reformular o roteiro, chegando ao extremo de proibir a voz e o rosto do único personagem homossexual do filme, mas o resultado ainda é impressionante e polêmico.
A tensão no set era outro caso sério, principalmente pela condição de Montgomery Clift, homossexual assumido e vítima da constante discriminação em forma de piadinhas infames do produtor Sam Spiegel.
A geniosa Katherine Hepburn, não deixou barato e vivia aos trancos e barrancos com o produtor, chegando ao extremo de meter um sonoro e inesquecível tabefe na cara de Spiegel no último dia de filmagem
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