quinta-feira, 28 de outubro de 2010

'Eu cantaria até o dia nascer para mantê-la viva...'



Noite De Desamor é com toda certeza um dos filmes mais emocionantes que eu já assisti na minha vida, sugestão de um grande amigo que sabia do meu gosto por filmes com longas conversas e boas atuações. E o cara acertou em cheio. Melhor mesmo, só um outro amigo que descolou recentemente uma versão do filme, infelizmente ainda não disponível no mercado de DVD nacional, que revi em mais uma madrugada insone. 

É uma profunda reflexão sobre o suicídio, defendida por duas grandes atrizes que armam uma guerra de atenções para saber quem emociona mais. A efusividade de Anne Bancroft luta contra a dor de Sissy Spacek em cada segundo de filme. Aos 21 minutos, a coisa já encardiu seriamente em cena.

E eu  é que não vou ficar de rodeios: Sissy Spacek é Jessie, meticulosa, divorciada, epiléptica e com um filho problemático que raramente dá as caras. Mais que isso, sua personagem é sarcástica e determinada, está de saco cheio da vida e traçou um objetivo de maneira fria durante dez longos anos: no final da noite de sábado, vai cometer suicídio. É o seu direito, a chance de escapar para a tranquilidade almejada dos sete palmos abaixo da terra, abandonar a incompreensão do mundo e o zelo de sua mãe, Thelma.

A saudosa Anne Bancroft é a mãe meio doidinha que não sabe viver sem a filha. 
É o oposto da fatigada Jessie. Vivida e experimentada, dribla todas as agruras da vida com um sorriso, algumas fofocas e doces espalhados pela casa. Seus esforços em impedir a filha contribuem para a tensão crescente do filme e enquanto a noite avança, Thelma percebe que a filha não pretende desistir. 

Quando eu digo que o filme me emociona profundamente, não sei nem se o ponto exato da coisa está na fadiga e a determinação da filha suicida ou nos esforços da mãe em preparar maçã caramelada e chocolate quente para salvar o único amor que lhe resta numa noite de lembranças e lavação de roupa suja entre as duas, com emoções tão cruas e nada sutis. 

O filme não é pouca coisa. É um vale de lágrimas honesto em que a mãe procura incansavelmente um motivo para o ato da filha. Sentimentos são dissecados com amargor e frustrações reprimidas ganham a tela, numa terapia de sentimentos em que a filha tenta justificar as suas decepções e aliviar a barra da mãe, apesar de ter organizado perfeitamente a sua despedida e não voltar atrás em sua escolha.

Deveria ser como todas as outras noites de sábado que as duas passaram juntas, mas um fim de semana tranquilo vira uma confronto de duas vidas, uma querendo acabar e a outra, lutando para impedir. 

Extremamente teatral e dialogado, não recomendável para quem não tem paciência de apreciar um texto sincero e coerente sobre as merdas da vida. Falando em teatro, o filme é adaptado de uma peça de Marsha Norman, considerada altamente polêmica e impressionante para a época de sua estréia, 1983. Brincando, levou o Pulitzer de melhor drama teatral.

O diretor do filme, Tom Moore, é o mesmo que conduziu a peça ao sucesso nos palcos e concilia muito bem a emoção com a visão estética. Noite De Desamor é um título abrasileirado. O nome original do filme 'Night Mother, é apenas 'Boa Noite, Mãe', o mais triste da história do cinema. A trilha sonora de David Shire é outro mérito do filme, com densos solos de violão ouvidos apenas em momentos necessários.  

Curiosamente, nenhuma das duas atrizes recebeu indicações ao Oscar, motivando a fúria de Anne Bancroft na época, que disparou: 'Eu deveria ter sido indicada apenas por memorizar todas aquelas falas!'

Não só isso, Anne. Você e Sissy mereciam qualquer prêmio por esse filme.  

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