quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Porradas e Famílias



O Vencedor é um filme com lutas de boxe e por isso não consegue evitar os clichês que regem esse estilo de filme, tão favorito e querido mundo afora. Tudo o que já aprendemos em Rocky e Touro Indomável, surge porque é preciso surgir, não tem outro jeito. No final, entre risos e lágrimas, a mensagem que ecoa é mais velha que a Hebe: persevere, não desista, siga em frente, apanhando e cantando, vença a luta garoto!

Mas, esqueça um pouco o boxe e a mesmice. Ao assistir o filme, preste atenção na rivalidade e camaradagem entre dois irmãos e nas complicadas relações familiares envolvendo duas mulheres, uma realmente apaixonada querendo o melhor para o homem amado e a outra totalmente sem noção, capaz de sufocar aqueles que ama.

É aí que o filme acorda, quando abandona as lutas do ringue e concentra-se nas lutas entre sonhos e desejos. Em ritmo sincopado, a coisa ganha vida e pega fogo, tornando-se atraente e dolorido, emocionante, pra variar.

O protagonista Micky é vivido por Mark Wahlberg, vencendo suas limitações dramáticas ao criar um paradoxo interessante: o homem que ganha dinheiro de uma forma violenta e extremamente passivo em suas atitudes. Silencioso, Wahlberg tenta encontrar limites entre profissão, amor e família, sem trair aos que ama ou a si mesmo.

Família e amor, a força do filme em três atuações hipnotizantes indicadas ao Oscar de coadjuvante desse ano, rivalizando entre socos e atenções, feito uma luta de boxe, com cada ator em seu canto medindo forças.

Melissa Leo, juntamente com Barbara Hershey em Cisne Negro, vem abrilhantar a galeria de mães-monstro do cinema. Fumando feito um dragão e amparada pelas sete filhas estranhas, a mãe empresária crente de que os filhos devem lhe pagar tributo pelo amor pegajoso, não mede esforços e tirania para faturar uns trocados e proteger todos ao seu redor, infernizando em nome do amor maternal.

Amy Adams, esbanjando uma sensualidade até então desconhecida, é Charlene, a garantia do protagonista rumo à liberdade. Garota de faculdade e incompreendida por conta do estilo MTV de vida, que você entenderá a piada apenas ao assistir, ela é a oponente ferrenha da família e acredita que Micky merece coisa bem melhor para o seu futuro.

A façanha maior é do malandro Christian Bale. Repetindo a magreza quase cadavérica de O Operário e acrescentando tiques horrendos de viciado em crack, mordendo a própria testa e a orelha dos outros ao seu redor, Bale grita aos quatro ventos que tem bala na agulha para qualquer mudança física e psicológica que um personagem é capaz de exigir. Ele é Dicky, o filho pródigo e também o favorito, irmão, ídolo e ex-campeão com a certeza de que a glória continua batendo a sua porta.

Batman, John Connor, prisioneiro de guerra do Laos, psicopata americano, Bale é um excelente camaleão do cinema atual. Suas entradas em cena balançam a roseira e cativam com o humor grotesco, os olhos arregalados e o frenesi que denunciam um sério dano neurológico. Na cena final, com Wahlberg num sofá, Bale nem parece Bale, tamanha a mudança.

Christian Bale e Melissa Leo já faturaram o Globo De Ouro e O Vencedor pode virar a grande surpresa da noite do Oscar, se a cerimônia correr em tom de reparação e lembrarmos que Melissa já foi preterida pela Academia De Artes Cinematográficas no soberbo e enervante Rio Congelado

Extrair luz desses personagens medíocres e envolventes, confiando a eles o peso do filme, é o grande mérito do diretor David O. Russell, também indicado ao Oscar, capaz de desviar suas câmeras por um bom tempo do interesse principal, o boxe, para essas criaturas esperançosas de sossego.

Passado nos anos 90, recuperando a época em que a verdadeira história ocorre, do jeito que a massa e a Academia Cinematográfica gostam. O Vencedor passou por uma grande dança de diretores e intérpretes, começando com Martin Scorsese no comando, Brad Pitt e Matt Damon como os dois irmãos, Emily Blunt como Charlene e Lily Tomlin no papel da mãe. Darren Aronofsky também esteve na mira e permaneceu no projeto apenas como produtor.

A veracidade é comprovada pelo apoio da família Ward Eklund, colaboradores do filme e as presenças em cena de Richard Farrell, o documentarista da HBO, o lutador Sugar Ray Leonard e o simpático sparring O’Keefe, personagens da história fora das telas de glória e danação dos irmãos, vistos em plenitude de amor nos créditos finais.

2 comentários:

Rafa Coan disse...

FICA....VAI TER BOLO E COCA (PLRRRRR)

Rafa Coan disse...

David Russell realiza um filme muito satisfatório tanto na comédia quanto no melodrama porque entende que o cinema de gênero não pode prescindir de estereótipos.

E se o estereótipo é um engessamento, uma espécie de morte, a canção remedeia: "Quando eu finalmente morri / Isso fez o mundo começar a viver".