terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Nostalgia e Baixaria



CRY-BABY

Sátira de costumes bagaceira, o Grease do submundo, cheio de canções adoráveis e personagens ultrajantes, fáceis de se amar á primeira olhada.

Como em A Caldeira do Diabo ou qualquer grande melodrama absurdo dos anos 50, Baltimore está dividida entre os caretas e os arruaceiros. É um choque cultural de gente cheia de traquejo com caipiras roqueiros e defensores de um estilo de vida muito alternativo. Nessa guerra cultural, nasce o amor entre a fofinha Allison, cansada de rapapés e o delinquente Cry-Baby, um affair pronto para abalar todas as estruturas morais e normais de uma pequena cidade. 

O responsável pela festa é o mestre John Waters, trabalhando com um grau aceitável de baixaria para homenagear o cinema e o estilo de vida dos anos 50, com   delinquencia, lágrimas, amores impossíveis, a aurora do rock e piadas deliciosamente cretinas. Apesar do glacê de maluquices, a voz contestadora de Waters, afirma que a burguesia fede, os revolucionários mudarão o mundo e todas as barreiras de preconceito devem ser quebradas. Noves fora, a mesma idéia de Hairspray.  

Cry-Baby é o primeiro filme de John Waters, com um grande estúdio bancando a palhaçada, graças ao sucesso do seu musical anterior Hairspray, de 1988. Seu humor porcalhão está contido, pero no mucho. Waters, conhecido no meio underground, alcançou o sucesso com pérolas como Pink Flamingos, aquele em que o traveco Divine come bosta de cachorro numa cena sem cortes e Desperate Living, filmes que devassam Baltimore e ultrapassam a barreira do trash, tornando-se objeto de culto.  

Nenhuma mulher mata um sujeito sentando a busanfa na cara do infeliz, como em Desperate Living, mas a galhofa encontra um chiqueiro para se esbaldar com a família de Cry-Baby que mora na Riviera caipira, com a avó que trafica armas e vive com um sujeito mais novo, seus amigos arruaceiros, uma hilária sessão de beijos de língua onde a mocinha tem medo de contrair mononucleose e personagens que se não fossem tão comuns ao universo de Waters, poderiam ter saído de um filme de Fellini ou David Lynch. 

O elenco, no ápice do exagero, é formado por um porrilhão de estranhos, como astros do segundo escalão do tempo áureo do cinema, Troy Donahue e Joey Heatherton. Malucos declarados fora das telas também abrilhantam a cena: Ricki Lake, a sequestrada Patty Hearst, o roqueiro Iggy Pop, o superstar de Andy Warhol, Joe Dalessandro e a musa pornô Traci Lords.

Mink Stole, atriz-fetiche do diretor e intérprete das imortais heroínas Connie Marble e Peggy Gravel, está mal aproveitada. Willem Dafoe aparece numa ponta, como o guarda da prisão.

O casalzinho que impulsiona a trama é formado por Amy Locane e Johnny Depp, muito antes do estrelato, como o garoto que chora por um olho só, misto de Elvis e James Dean. Nenhum dos dois canta e Depp é dublado por James Intveld.

Como as avós dos protagonistas, Polly Bergen enverga a tirania dos caretas que acaba amolecida diante do amor da netinha por Cry-Baby, e Susan Tyrell é roqueira, dona de um boteco e negociante de armas.

Robert Tyree faz uma espantosa imitação de Little Richard, sem cantar e a honra de provocar risos frenéticos fica com Kim McGuire, dona de uma das piores caras já vistas num filme, capaz de assustar vaquinhas indefesas e quase matar uma multidão de prisioneiros de susto.

A título de curiosidade, é nesse filme em que Johnny Depp escolhe o seu primeiro roteiro esquisitão para abandonar a imagem de ídolo teen, conquistada no seriado Anjos da Lei. Daí pra frente, Depp especializou-se em papéis estranhos, e alguns chatos pra caramba.

E nessa onda de remakes, Hairspray não escapou. Será que em breve teremos uma nova versão de Cry-Baby?

2 comentários:

Priscila Leandro Pacheco disse...

Me deu vontade de assistir. Sério. Mas esses filmes de sátira não exigem que a gente veja outros filmes antes pra entender todas as ironias?

VINNY VALCANAIA disse...

Não é uma má idéia, pegar algo como 'A Caldeira do Diabo' pra manjar a idéia. Mas 'Cry-Baby' é tão ridiculamente cômico, que a risada flui aos montes.