quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Pura Maldade



NOSFERATU (1979)

Múmias verdadeiras na abertura, morcegos e muita liberdade na hora de refazer um filme referência num país que era pobre nos anos 20 em cineastas por conta do nazismo. Werner Herzog dirigia em 1979 o seu primeiro e último filme de terror custeado por um grande estúdio, tirando inspiração de tudo que é canto.

Segundo ele, não é uma refilmagem. É apenas um reaproveitamento do material, um retorno as origens. Herzog acreditava que todos deveriam honrar suas tradições. Nada mais justo do que repaginar nos anos 70 uma das grandes obras do terror do cinema expressionista alemão dos anos 20.

Renoir para os cenários, Wagner e Gounod na trilha sonora, sem abrir mão da mágica do terror, das regras básicas. Existe uma preocupação tremenda na qualidade da luz, no áudio como forte elemento narrativo e na dor dos personagens que atenua a presença física de algo maligno. A beleza idílica apodrece gradativamente enquanto o vampiro vai tomando conta do destino de cada um.

Raras são as vezes em que o cenário, as paisagens ou a música de Popol Vuh mesclada a árias operísticas, se sobressaem mais que os personagens, sem levar em conta os circos de efeitos especiais da atualidade. 

Klaus Kinski, o melhor inimigo de Herzog, pra variar brigou com meio mundo durante o filme. A única pessoa que Kinski tolerava era o maquiador, com quem passava quatro horas diárias antes de começar as gravações.

Trabalhando com as mãos e uma tristeza gigantesca no rosto, Kinski estiliza a vilania e o amargor. O vampiro é um estandarte de desejos insatisfeitos em busca de sangue e paixão. Está na maior fossa, não pode morrer.

É um ser patético e solitário que deseja mais a partida do que a reencarnação de sua musa, vivida pela deliciosa Isabelle Adjani, enlouquecida pelo vampiro antes mesmo dele aparecer, perfeito contraponto em delicadeza e mágoa diante da feiúra doentia de Kinski. O amor da mocinha não resolve muita coisa. Herzog não dá espaço para a delicadeza ou redenção.

Bruno Ganz é o herói corajoso e descrente, que também será arrebatado pelo apetite incontrolável do conde. Seu personagem em relação ao vampiro lembra Dorian Gray e aos poucos vamos percebendo perto do fim que a caçada ao monstro nada mais é do que uma viagem ao seu interior.

O escritor Roland Topor aparece como o louco gargalhante. Walter Ladengast vive um cansado Van Helsing, detentor de sabedoria que não vence o vampiro, uma interessante perversão do final da história de Bram Stoker.  

Rodado na Holanda, pois a produção não pode entrar na Romênia, que vivia sob a mão de ferro de outro vampiro, o ditador Nicolae Ceausescu.

O Nosferatu de 1922 era uma adaptação não autorizada da obra de Bram Stoker, geradora de uma grande confusão com a viúva de Bram, que mandou destruir quase todas as cópias do filme. Durante a produção, Herzog pediu autorização e restaurou os nomes originais dos personagens conforme a narrativa de Stoker.

Por imposição da Fox, o filme foi rodado simultaneamente em dois idiomas, alemão e inglês. Foi a maior zona, pois alguns atores tinham que ser dublados por americanos. Nosferatu foi um fracasso monumental que empatou a carreira de Herzog em Hollywood.

Os vampiros estavam voltando na época e o filme foi aniquilado graças ao americano Dracula, por John Badham e custeado pela Universal. Frank Langella, Laurence Olivier, Donald Pleasence e Kate Nelligan estavam no elenco amparados por uma dose altíssima de sensualidade. Noves fora, o filme de Badham tem seus méritos.

Mas é difícil não assistir este aqui e tirar Nosferatu da memória. Qualquer um fica bestificado diante da releitura grandiosa feita de um conterrâneo para outro. Herzog pega a obra-prima de Murnau e a intensifica, coloca uma beleza de encher o olhar e parar o coração, com tudo o que possa existir de sinistro, incluindo a dominação total do mal exterior e interior na história.

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