quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Todo Amor


IO SONO L'AMORE ou I AM LOVE

Em I Am Love, a performance central de Tilda Swinton é a alma do filme. Com muito mais fúria do que resignação, ela é a mulher com a identidade em conflito, que abdicou de sua origem russa para agir e pensar como matrona italiana com o simples propósito de agradar a família que nem sempre a considerou pertencente deste universo sustentado na fragilidade das aparências.  

Aos poucos, ela racha o mundinho de porcelana em que levita com elegância, quando percebe que desmanchou-se em dedicação e carinho pela família Recchi cuja falsidade elitista não retribuiu todo o amor dedicado.

Emma, sua personagem feita de amor, espera sentimentos arrebatadores, é uma outsider desse universo quadrissecular e lembrando Michelle Pfeiffer em A Época da Inocência, luta para não padecer diante dos códigos de rigor da nobreza.

O arrebatamento tão esperado, é gradativo e silencioso, quando Emma tenta fugir do padrão milenar de salamaleques impostos pela família. Junto com os filhos e entediada de tanto glamour, ela acorda e dá uns tapas na cara dos milionários cheios de manias, confrontados com toda a sorte de verdades e esqueletos saídos do armário.

Para a visão superficialista, o filme pode até parecer um melodrama tolo sobre os terríveis resultados de paixões impossíveis. Mas não é. Não é apenas sobre a alta classe ameaçada pelo mundo real. Em tom operístico e virtuoso, todo um universo de velharias e requinte desmorona com a chegada de novidades inesperadas e abertura de feridas classicistas, sexuais e políticas no cerne de uma família, feito monumental amparado por um grande elenco.

Pippo Delbono é o marido distante que sentirá o peso de um belo par de marfim na cabeça. Alba Rohrwacher é a filha com escolhas sexuais arrasadoras e Flavio Parenti é o filho revolucionário, ambos desejosos assim como a mãe, de começar a vida longe de tradições maniqueístas.

Edoardo Gabbriellini é o jovem cozinheiro, estopim das confusões. Para a abertura do filme e com muita solenidade, o veterano Gabriele Ferzetti é o patriarca que nem imagina o quanto os ventos da mudaça serão capazes de apagar os hieroglifos escritos por sua família num passado distante.

Ao seu lado, Marisa Berenson é a carcereira de filhos, nora e netos. É um prazer imenso curtir a estrela dos clássicos Cabaret e Barry Lyndon, montada em vilania. 

Uma das coisas mais curiosas em assistir I Am Love é esbarrar na beleza atemporal e estranha de um filme surgido em época inoportuna. O filme evoca o desprendimento de velhas tradições dialogando em linguagem antiga e relembrando grandes clássicos do cinema, justificativa plena do seu sucesso mundial.

Na era dos efeitos mirabolantes e pirotecnia, esse retorno as origens hipnotiza desde os créditos de abertura. É cinema puro, literário e emocional, feito no osso do peito e sustentado em emoções verdadeiras. Não deve ser apenas assistido, precisa ser apreciado como um banquete para os sentidos.

Stanley Kubrick e Lucchino Visconti são homenageados nessa devassa das tradições de uma família italiana controladora e dinheirista, isolada numa mansão milanesa em momentos de erupção. O filme também corteja outras grandes famílias italianas que ditaram regras no cinema, como os Salina de O Leopardo e até mesmo os Corleone, em O Poderoso Chefão

I Am Love é um projeto pessoal de Tilda Swinton e do diretor Luca Guadagnino, acalentado durante dez anos e nascido do desejo mútuo de ressuscitar a linguagem clássica da sétima arte, capaz de casar técnica e emoções, para contar uma história cheia de personagens aprisionados e receosos em assumir sua verdadeira postura numa guerra entre tradições e sentimentos.

A precisão do filme é absurda, o que garantiu duas indicações ao vindouro Oscar 2011, nas categorias de melhor filme estrangeiro e nos figurinos de Antonella Cannarozzi. Difícil é explicar a ausência de uma indicação para Tilda Swinton, inglesa até o talo, entregando um papel bilíngue, falando russo e italiano. Não lembraram também da fotografia requintada de Yorick Le Saux, a direção de arte de Francesca Balestra Di Mottola e a trilha sonora grandiosa de John Adams, elementos tão essenciais da história quanto os personagens.

Posso causar uma ponta de inveja ao dizer que assisti esse filme no cinema Curzon em Londres e adorava descer nas estações de metrô e me deparar com o seu imenso pôster. Revisitei o filme na última noite, na paz do meu quarto, com o olhar mais atento e continuo bestificado com a beleza da peça.   

Meio mundo não vai gostar do ritmo pacífico e langoroso, mas quem estiver disposto em perder-se na sedução das imagens e sons, sentir as emoções e apiedar-se de criaturas entediadas tentando fugir de gaiolas de cristal, que infelizmente não aprisionam revoluções e sentimentos honestos, encontrará um filme de rara emoção.

Antes que eu me esqueça, Quentin Tarantino  listou o bendito filme como um dos 20 melhores que ele assistiu em 2010. Já serve de consolo para a massa pseudo-cult.

Um comentário:

Bibi disse...

Filme intenso e delicado, de muito bom gosto. Adorei!