domingo, 7 de novembro de 2010

Woody, eu estava morrendo de saudades



Assistir Tudo Pode Dar Certo é encontrar um velho amigo, descansar a cabeça no ombro conhecido. Quando Woody Allen não está na Europa desmembrando seus filmes antigos com um elenco alheio ao seu universo, volta para NY só pra bater aquelazinha. Curioso é perceber como sua maldade atual é disparada em tiros com o maior calibre possível.

Filme feito com dinheiro europeu e rodado na velha NY, onde Woody bancando a dama ressentida em entrevistas, prometeu jamais retornar porque os americanos não financiavam e nem entendiam mais os seus filmes. 171 puro, afinal Woody não é idiota. Para quem é fã da fase nova-iorquina, o filme é um presente. Sentida é a ausência de Woody como o neurótico supremo.

Larry David é um excelente ator, mas destoa e exagera em caricaturar Allen. Se ele resolve aparecer, defenderia com brilhantismo e sutileza o extremo nervosismo do tipo que aprendemos a amar. Ele deveria dar a cara a tapa e botar o alvo no peito, pra deixar a coisa toda mais gostosa.

Você já conhece o caminho. Filosofia, existencialismo, mau humor, judaísmo, sexo, vida, amor e morte. Só faltou o outono. A originalidade espoca na crueldade latente para subestimar os faroleiros que assistem os seus filmes. É uma sacada tremenda, pura esperteza. 

É a história do neurótico pé no saco metido a sabichão que conhece uma garota gostosa e burra e de repente, o texto torna-se uma delícia enquanto revisitamos cada movimento e palavra. Pedras são atiradas em tipos étnicos e piadas cruéis e funcionais sobre arte e intelectualidade são contadas. A voz de Allen calando seus críticos, dizendo que é isso que sabe fazer, então é melhor chupar o dedo ou engolir seus filmes, c'est fini.

Pecado mortal é dizer que o filme é clichê sem saber que se trata de uma idéia adormecida. Seu roteiro nasceu nos anos 70, quando Allen tinha o desejo de colocar Zero Mostel como protagonista. Em 77, Mostel bateu as botas e o texto ficou de lado. Ressurgiu tardiamente e passou meio batido, porque conhecemos esse universo de trás pra frente. 

No elenco, enquanto musa passageira Evan Rachel Wood é a vítima que se apaixona pelo carrasco enchendo a tela de tesão. Mais tarde, será a criatura voltada contra o criador, e a menina faz bonito, não deixa a peteca cair.    

Patricia Clarkson também foi convidada para viver outra metamorfose, afinal o filme é feito disso. Numa explosão cômica, ela deixa de ser Blanche DuBois e vira Diane Arbus, surpreendendo Ed Begley Jr. como o ex-marido pateta e caipira, que abandona o verniz de macho alfa para tornar-se homossexual.

Michael McKean, Lyle Kanouse e Adam Brooks são os amigos com uma paciência bíblica para aturar o neurastênico intelectual. Henry Cavill é o sexual Randy e Jessica Hecht é a mediúnica Helena.

Quase ninguém parou pra notar que o filme não é sobre intelectualidade. Parece mais uma fábula com final bonitinho, como aqueles filmes antigos de Eric Rohmer.

Whatever Works, ao pé da letra, significa que tudo é válido, qualquer coisa que vier é lucro na hora de repaginar uma vida sem graça.  E para um autor em estado de graça, tudo é válido na hora de fazer cinema, até mesmo pregar uma moral bem amoral só para divertir.

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